Highlight Reel

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A vida é uma peça na qual não temos ensaio, já recebemos o script pronto para nos apresentarmos, o único momento em que aprendemos o que devemos ou não fazer é quando já estamos no palco, quando observamos a reação da platéia, quando observamos o que o público tem a dizer sobre a nossa performance, sabemos se fomos bons durante, e não depois. A faculdade é como essa peça, não é sobre pegar o diploma depois que você consegue entrar, é na verdade sobre o processo de aprendizado, sobre o processo durante sua estadia naqueles corredores, sobre estar sentado naquela mesa, absorvendo conhecimento, sabendo que aquilo é seu e não dos outros, o professor está ali para, nada mais do que te ensinar o que ele já sabe, você não tem obrigação de aprender, mas mesmo assim aprende, principalmente se você abriu mão de muita coisa por esse pouco de conhecimento.

Eu demorei exatamente três anos para conseguir passar na faculdade de medicina, eu me esforcei, dia após dia, os cursos caros e os estudos árduos até horas e horas da manhã não foram o suficiente, e cada vez eu me via falhar de um jeito diferente, cada vez que caía, tinha medo de me levantar, tinha medo de uma nova queda, tinha medo do que essa “nova queda” poderia significar, afinal de contas, se minha vida fosse apenas um ciclo infinito de quedas e suspensões, quando eu conheceria a linearidade? Foi difícil e confuso essa fase, a fase da penalidade, quando todo o universo parece estar te punindo por algo que nem você compreende perfeitamente o quê, o motivo fica oculto e seus olhos se fecham totalmente, às vezes você consegue pensar que isso faz parte, mas a maior parte do tempo, sai apenas reclamações — e com razão — sobre a dificuldade de se atingir o topo da montanha. Mas em algum momento ela chega. E chegou para mim.

Passei na faculdade no começo do ano e tenho tentado manter meu score alto, manter minhas notas acima da média, não só pelos estágios, mas também... Bom, eu tento negar para mim mesmo, tento fingir que não é isso, mas sei que boa parte da minha vontade de querer ser mais do que “bom o suficiente” deriva de minha necessidade que minha mãe me note.

Meu irmão mais novo é patético, mas a diferença entre nós dois é que ele conseguiu entrar para a faculdade com 18 anos, assim que saiu da escola, ele não gastou o dinheiro da família, mesmo que a diferença entre Gastronomia e Medicina seja absurda, ele ainda é mais valorizado que eu na casa. A verdade é que a criação dele foi ridícula, nossos pais são militares e eles só tentaram moldar a mim, o filho perfeito, que ajuda na casa e passa de ano, eu consegui encaixar-me nessa moldura que eles criaram de filho perfeito — me encaixo até hoje, mas Jungkook não, ele já nasceu numa geração com total desprezo às regras, a qual as coisas são muito mais tecnologicamente fáceis. Meus pais voltaram toda a carga educacional e de obrigações, necessidades e afins para mim, e se esqueceram do afeto.

Talvez seja disso que eu sinta falta e me esforce tanto para ser o melhor, talvez eu sinta falta de receber um pouco de atenção ao em vez de cobranças, ela não me reconhece como filho e sim como “O médico da família”, talvez seja um fardo muito grande a carregar, já pensou nisso?

Falando no meu irmão; ele está na sala com os amigos jogando vídeo game, amigos esses que fazem um barulho infernal, me impedindo de ter um estudo de qualidade, uma vez que a sala de estudos fica muito próxima a sala de televisão. Um deles em especial.

Alguém empurrou a porta do quarto onde eu estava e nem quis saber quem era, pensava já saber.

— Jungkook, será que você pode pedir para os seus amigos falarem um pouco mais baixo? Não consigo me concentrar e tenho prova de Anatomia — falei, colocando ambos os cotovelos na mesa e esfregando o rosto nas mãos.

Duas mãos grandes deslizaram por minha cintura e nem precisei olhar para o rosto, para saber a quem pertenciam aqueles dedos longos.

Eu e Namjoon tínhamos tido algo no ano passado, no entanto eu tinha dito para ele que seria melhor nos afastarmos porque queríamos coisas diferentes, estávamos olhando para lugares diferentes e que ele me fazia ficar disperso dos estudos, ele entendeu, na verdade ele respeitou e se afastou de mim. O Kim mais novo sempre foi assim, sempre respeitou minhas escolhas e opiniões, o que escolhia fazer em relação à mim e à nós, sempre comandei a relação, não de forma grosseira, ele apenas me respeitava muito como seu hyung, mas o problema foi justamente o que disse para ele, sem tirar nem pôr, ele me afastava dos estudos. Quando estávamos juntos era algo difícil de pôr em palavras, era difícil que eu conseguisse explicar sem ser com um vídeo corriqueiro de minhas ações, ele fazia eu me sentir bem, afastava de mim as preocupações, a necessidade de conseguir a atenção de minha mãe, a insuficiência, o medo de não ser bom o suficiente para passar em Medicina; Namjoon revelava minha melhor parte e fazia-me sentir amado por ser quem eu era. Estar com o mais novo, fazia com que a felicidade batesse na porta e eu nem precisava abrir, ela invadia pelas frestas. Nunca entendi o que aconteceu em minha mente, talvez eu achasse que não merecia ser feliz, afastando-o e fazendo disso o meu martírio pessoal, ou acreditava piamente que não merecia alguém como ele.

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