— Quem são vocês? — perguntou. O rapaz à frente ergueu as mãos.
— Calma aí, gatinha. — ele explicava com um sorrisinho que a irritava.
— Não me chame assim, garotão. — ela o ameaçou, esticando ainda mais o arco.
— Ok, ok — ele suspirou — Não queremos problema. Eu te salvei, você viu?
Catarine encolheu os olhos, mantendo o arco. Ele se agachou e pegou o colar.
— O que tá fazendo? — ela perguntou nervosa.
— Só pegando isso. — ele parou para pensar — A gente faz coleção de colares.
— Eu também faço. — Catarine respondeu — E preciso desse aí.
— Beleza, mas a gente achou primeiro e fui eu quem matou o magrelo aqui.
— O território é meu, amigo. — impôs Catarine.
— Não estou vendo seu nome nele, colega. — ele olhou de canto para a flecha que apontava para seu rosto — Você sabe usar isso aí?
— A gente pode testar isso. — Catarine provocou, deixando o grupo agitado.
— Estamos em vantagem, moça. — uma voz feminina dentre as silhuetas escuras avisou. Não rebatendo, Catarine fez o que achou sábio, abaixando a flecha e afrouxando o elástico do arco. O rapaz pôs o colar na mochila e fez como gracejo uma saudação de fim de peça. Cat olhava para eles com chamas nos olhos. Todos passaram por ela e rapidamente penetraram os arbustos. Quando seu barulho desapareceu e ela pôde ouvir o som da brisa, voltou para casa.
No dia seguinte, quando Vitto e os outros vieram à sacada, Catarine já estava lá, assistindo o alvorecer. Marla se achegou com preocupação.
— Você dormiu, Cat? — perguntou.
— Temos concorrência. — ela se virou para o grupo que não entedia — Desci ao bosque ontem e conheci um grupo que está recolhendo tesouros de zumbis, como nós. Temos que expulsá-los daqui. De algum jeito. Eu vi uns dez. Não menos que isso.
— Ah, então ferrou! — suspirou Antônia — Como vamos brigar com esses caras?
— Eu só sei que vamos. E se pudermos, vamos pegar tudo o que eles têm.
Acostumada com a caça aos gambás e lebres, Catarine seguiu os rastros até uma bela casa à beira-mar. Eles haviam limpado aquele lugar mês passado, o que denotava que o grupo estava instalado ali há pouco. Uma garota saiu na varanda e ficou olhando o quebrar de ondas do oceano e outra apareceu para abraça-la por trás. Vitto foi primeiro e Catarine o seguiu, agachados. Ela rendeu o casal com sua flecha e Vitto ordenou que uma delas abrisse a porta. O resto do grupo se aproximou com cuidado, com exceção de Guilherme, que vigiava de fora. Lá dentro havia mais três rapazes, que rapidamente se renderam à gritaria do grupo invasor e se puseram de bruços no chão, conforme ordenava Vitto. As armas não estavam à vista.
— Vocês estão fazendo uma burrice. — avisou a garota deitada — A gente tem mais cinco que estão vindo pra cá logo.
— Se matarmos vocês, teremos apenas cinco de novo. — Catarine disse de forma sombria. Seu grupo trocou olhares, mas ela sabia que eles a entendiam.
— Vocês não têm coragem. — a garota riu.
— Cadê o ouro? — Catarine disse.
— Eu não vou te falar nada, sua vagabunda avarenta. Vocês têm muito mais.
Catarine recolheu o arco e pegou o estilingue. Esticou-o com uma munição e disparou no pulso exposto da garota, desarticulando-o imediatamente. Ela gritou e sua namorada chorou, esticando o braço ainda deitada para tocá-la enquanto sofria.
— Que merda foi essa, Catarine?! — Vitto gritou aterrorizado.
— Onde está o ouro? — ela repetiu gritando ainda mais do que antes, não escutando-o, e apontou para a nuca da garota — Você só tem mais uma chance.
— Vadia louca! — um rapaz rendido se ergueu aproveitando a perplexidade do grupo e socou o rosto de Danilo, que caiu de imediato. Catarine apontou o estilingue para ele, mas disparou erradamente, pois a namorada da garota no chão saltou sobre seu corpo, furiosa como uma loba a proteger os filhotes. Catarine tropeçou em uma mesa, derrubando objetos de vidro. A garota do punho deslocado se levantou para ajudar a parceira. Uma luta começou, com Danilo se erguendo para devolver os golpes que sofrera, Vitto sendo surpreendido pelo outro garoto e Antônia e Marla tendo que trocar socos e chutes com o último.
Catarine puxou a machadinha e golpeou, atingindo o ar somente. Suas rivais seguraram seu braço e a machucada deu-lhe um soco com a mão que tinha saúde. Catarine sentiu como se o olho tivesse entrado em sua cabeça, misturando-se com o cérebro. Com certeza este olho ficará fechado e roxo por um bom tempo. Vitto já tinha partes do rosto ensanguentadas, bem como o inimigo. Marla e Antônia conseguiram derrubar o seu, imobilizando-o de volta no chão. Danilo era erguido pelo oponente contra a parede, mas foi ajudado por Guilherme, que entrou rapidamente.
— Mais gente vindo! — ele avisou e Catarine olhou quando mais quatro voltavam. Entre eles estava o primeiro que conheceu na noite anterior. Cat temeu, sabendo que seu grupo era incapaz de lutar contra todos. Esquivou-se do soco de uma de suas inimigas e recuou aonde não podiam alcança-la. Seu olho já se fechava e ficava roxo. O punho da garota também. A porta se abrindo com ímpeto assustou o grupo quando bateram. O líder ofegante olhou para todos eles e terminou em Catarine. Mas uma pressa que ela não entendia fez com que ele fechasse os olhos e rogasse:
— Essa não é uma boa hora.
— O que foi, César? — perguntou o oponente de Vitto, com sangue em toda a face.
— Matias morreu. — ele anunciou com tristeza — E, na fuga, atraímos uma horda imensa para cá. São pelo menos cinquenta. Precisamos nos esconder. Juntos.
Assim que César terminou, todos puderam finalmente ouvir o som infernal que uma multidão de mortos-vivos pode fazer. Vozes graves e agudas engasgadas com sangue. Eles trancaram a porta e se esconderam, espreitando por brechas e janelas na esperança de que os cadáveres não ficassem rodeando a casa para sempre. E de repente os pés cinzentos chegaram, manchando a areia com sangue. Os zumbis chegaram à praia, mas não pareciam estar buscando César e seu grupo. Em vez disso, olhavam o mar. Catarine os assistiu caminharem para as águas salgadas que iam e vinham. Nenhum deles entendia o que estava acontecendo. Absolutamente toda a horda marchou para as profundezas, submergindo os joelhos, a barriga, o peito e por fim a cabeça. Chapéus passaram a boiar e foi o que restou à vista. Se lhes tivesse sido contado, eles não acreditariam.
Catarine foi a primeira a sair da casa para ver mais de perto. Todo o grupo chegou atrás. Quando, porém, achavam que não mais os veriam, lá estavam os mortos-vivos, subindo lentamente a faixa de pedras que existia a cem metros da praia. Os sorrisos desapareceram, ainda mais quando viram os mortos caírem novamente na água, do lado que dava no mar aberto. Catarine molhou os lábios com a língua, pôs as mãos sobre a cintura e piscou o único olho que conseguia abrir. A garota que torturou estava ao seu lado. Os grupos de inimigos e amigos, bem atrás. Cat deu uma risada tão irônica quanto aquele momento e se virou pra garota do punho deslocado.
— Vamos lá pra dentro. Eu sei como pôr seu punho no lugar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Cadernos Ensanguentados 5: Os Mortos Não São Vaidosos
Short StoryQuando surgem boatos sobre a infecção ter assolado apenas o território brasileiro, Catarine e seu grupo decidem reunir as riquezas de mortos-vivos com a esperança de que tudo acabe e eles possam retornar à sociedade como milionários, mas um grupo co...