𝑬𝒖 𝒎𝒂𝒕𝒆𝒊 𝑱𝒐𝒂𝒏𝒂 𝒅'𝑨𝒓𝒄

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Sua armadura abriu-se como a casca de um ovo sob a minha lâmina aquecida pela chama da rebelião e resfriada pelo sangue dos inimigos – a perfeita têmpera. O golpe fora certeiro, no exato momento em que ela se preparava para o ataque e baixava a guarda, agora havia um buraco em seu peito e minha espada no meio.

Seus olhos quase saltaram e logo sua expressão de triunfo e glória transformou-se em surpresa e horror. Achava-se invencível, intocável, imortal revestida pelo metal prata mas ao simples toque meu desmontou-se. Sua confiança lhe traiu, sua esperança desfê-se e no final não passava de uma covarde sob uma máscara de poder infindável que logo tem seu fim.

O líquido quente e escarlate manchou o metal dourado responsável pelo seu abate, mas não era sangue como eu havia pensado, não havia veias ou artérias dentro daquela armadura. Eram sentimentos que jorravam dela. Era a felicidade morta, o amor que derramava-se, era o medo escondido, a bravura incandescente. Era disso que seu peito estava cheio. E agora estava aberto e vazio, a vida estava se esvaindo porque os sentimentos estavam libertos da prisão.

Como o jarro de Pandora, todas suas emoções voaram para longe assolando os combatentes que ficaram sem norte ao contemplar sua morte. E havia sucumbido pela minha mão, meu braço forte. Não poderia está mais feliz, meu sorriso expandindo ao usá-la como estandarte da vitória – minha espada era a haste e seu corpo inerte era a bandeira gloriosa.

Enterrei a lâmina mais fundo e meu sorriso vacilou. A espada quebrou-se em milhões de pedacinhos ao tentar penetrar seu coração. Minhas pernas ficaram bambas, minha autoconfiança abandonou-me ao desespero. A máscara da bruxa caiu, seu olhar de triunfo voltou e sua bravura indômita pisoteou-me com força, mesmo a beira da morte, contudo eu também estava, pela minha própria espada. Antes de cair pude vê pelo quê sucumbira: sua armadura era frágil como papel, seu corpo como qualquer outro era fraco e débil, porém seu coração era valente e robusto, revestido de destemor.

Esse fora meu erro, como a esposa de Epimeteu: eu deixara a esperança, deveria ter aberto todo seu íntimo antes de tentar torturar seu coração. Deveria ter destruído seu corpo. E agora eu jazia estático no chão, meus medos brotando de seu coração: não há nada mais aterrorizante que sentimentos, não há arma mais poderosa que a esperança e o amor, não há pior inimigo que uma coração flamejante de valentia.

Gritou para as tropas que logo lhe obedeceram, renovadas pela força que emanava de seu coração ferido de morte. E então caiu por terra. Seu corpo logo foi soterrado por outros mortos, adubado por outras armadura, sufocado pelo sangue fresco. Seu exército passava por cima de seu cadáver, deixando-o solitário no deserto de corpos defuntos. Mas não havia salvação, não podia esperar por socorro. Já até via a luz celeste beijar-lhe a face pálida.

Sua batalha havia acabado. Os mortos enterrariam seus mortos.

E ali jazia Joana d' Arc:  armadura danificada, o corpo destruído e irrecuperável, morto, mas tinha um coração. E coração de ferro.







NOTA
A narrativa anterior não condiz com a realidade, visto que Joana d' Arc não morreu em batalha, mas foi vendida, julgada e queimada na fogueira sendo acusada de bruxaria e heresia.

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