Capítulo I

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Elizabeth LeBlanc

Eu estava correndo em um belo campo de centeio, madeixas ruivas caíam no meu rosto molhado pelo suor, meu pulmão insistia em se espremir no meu peito trêmulo a cada lufada de ar, o vestido longo se arrastava na lama. Mas não me importava nem um pouco, porque eu finalmente me senti viva.

E comigo estava ele, o garoto com o sorriso mais lindo que eu já vira.

— Minha linda Liz, — Ele falou com a respiração alterada por conta da corrida, que estava sendo guiada por mim, enquanto ele parecia estar aos tropeços. — Não vejo a hora de te ver de novo.

Então ele sorriu novamente para mim, e desapareceu mais uma vez, como em todo sonho. Com a minha mão livre, eu tentava tocar seu rosto, porém isso só fez com que ele se dissipasse mais rápido diante dos meus olhos envolvidos em lágrimas.

— Por quê? — Eu gritei repetidas vezes com desespero, mas eu não sabia a quem chamar, porque não havia ninguém a quem eu pudesse culpar por me provocar tanta dor. Continuava agarrada em minha própria mão que ainda estava quente de seu toque. Perdendo a minha força, caí no chão.

Fraca. Era assim que eu me sentia. Sem força para continuar correndo, eu era apenas uma carcaça, sem seu toque. Eu sou fraca.

Minhas pálpebras se abriram e me levantei de sobressalto, meu corpo ainda ardia. Mas havia sido apenas um sonho, como todos os outros dias em que eu acordava e sentia que o meu coração se despedaçava aos poucos.

Meus olhos se acostumaram com a claridade vindo da larga janela do quarto. E se direcionaram para as minhas mãos, estavam tremendo.

Isso era normal, era a coisa mais normal nisso tudo, eu não conseguia me lembrar da maioria dos meus sonhos, nem o porquê de eu acordar com essa angústia no peito. Acordava chorando na maioria das vezes, isso não me tornava uma boa colega de quarto, já me disseram muito isso. Teve uma época em que tentei controlar meus sonhos, decidi não tê-los, a maneira mais fácil foram os remédios. Bem, isso não deu certo...

Depois de um certo tempo esperando o tremor passar, saí da cama com a esperança de que tudo isso iria passar algum dia. Eu cheirei minha camisola, estava mais para um camisetão que, bem, não estava com uma lavagem tão em dia, conclui pelo cheiro que ela exalava. Tirei-a de meu corpo que parecia ser a origem do fedor, e a joguei na poltrona com algumas outras roupas, sempre soube que ter uma poltrona no quarto iria ser útil.

Sabe o que é mais útil nessas horas? Banheiras.

Podeira falar horas sobre banheiras, mas as banheiras certas, sim, sei no que está pensando. Banheiras são caras, mas as caras que são boas, confia em mim.

Minha obsessão por banheiras começou quando visitei minha tia Isabel, minha tia rica e completamente doida, anos antes de eu realmente morar com ela. Ela me buscou depois da escolinha, e eu nunca tinha visto aquela senhora na minha vida, mas a minha irmã mais velha argumentava o contrário:

— Liiiiz, como você pode não se lembrar da tia Isabel?? — Ela perguntou, com as suas mãos sacudindo meus ombros levemente, tinha me convencido a pouco falando sobre o dia que a mamãe ficou brava conosco, foi difícil saber qual deles já que haviam tantos, por conta da nossa pequena olhadinha num álbum de fotos.

— Ei senhora... — Mormurei como uma menina de dez anos, porque era exatamente isso que eu era. — Não lembro quem você é não, a minha mãe nunca falou nada sobre eu ter uma tia, mas você parece ser gente boa, — Olhei para o carro, gigante em comparação com meu pequeno tamanho de pessoa. Completei com um sorriso malicioso. — e rica. — E estendi minha mão para que ela apertasse com a sua, cheia de anéis de todas as pedras imagináveis.

Era uma boa lembrança, poucas delas existiam, mas as que minha irmã estavam eram as melhores. Enfim, banheiras caras fazem maravilhas. Por esse motivo, juntei meu dinheirinho suado para comprar essa belezura. Mantém a água quente por milhares de anos e tem encosto para a cabeça.

Isso definitivamente é meu paraíso.

Depois de cheia, mergulhei de corpo e alma machucada na água morna, aliviando meus pensamentos inquietos, minhas dores e tudo o que eu não conseguia entender sobre mim mesma, eram muitas decepções mergulhando ali. Se elas pudessem se tornar algo físico e tocável, a banheira iria transbordar, jogando água para todos os lados assustando todos que chegassem perto demais. Uma boa representação da vida que eu estava levando, mas banheiras são maravilhosas, certo?

Me lavei com pouca pressa, como se esperava de um primeiro dia de faculdad...

PUTA QUE ME PARIU!

Que horas eram agora?? Estava claro demais, demais para eu ter algum tempo relaxando na água quente. Quase escorregando na banheira, me levantei com rapidez, já pegando a toalha para me secar e sair correndo pelo apartamento em busca das minhas roupas.

Eu achei um vestido branco, um pouquinho comprometedor para ir na faculdade às nove da manhã, mas me deixava uma puta gostosa e é isso que importa. Junto dele estava minha lingerie vermelha, vesti tudo sem muito cuidado, atravessando meu imenso apê de 45 metros quadrados em segundos perto da porta estava a minha bolsa, com tudo que você possa imaginar, tudo mesmo.

Pronta, okay, conseguimos ir daqui até a PUCRS em... Cadê meu relógio? Aí, minha santinha, era para ele estar no meu pulso. Voltando para o quarto, achei o pequeno relógio dourado no meio das minhas cobertas. Então avistei meu all star vermelho, destruído pela ação do tempo, mas sempre lindo, e calcei o tênis. Me olhei de relance no espelho, e depois retornei o olhar e eu estava digna da palavra gostosa. O cabelo ruivo caindo em algumas ondas amassadas e o contraste com meus olhos verdes, com o tecido branco marcando minha cintura e deixando meus ombros expostos.

Após a análise sobre meu semblante no espelho, cheguei a apenas uma conclusão:

Sou uma puta gostosa maravilhosa.

Mesmo com o visual apressado, não consegui negar que eu merecia muito mais do que já tinha recebido a vida toda, mas as pessoas que são burras por não perceber isso.

— Patrimônio histórico é o caralho, isso é um prédio caindo aos pedaços e estão com preguiça de botar um elevador! — Praguejei em voz alta, enquanto fazia um gesto obceno para a construção que me fazia descer seis andares de escada, toda a vez que eu quisesse pisar um pé fora de casa.

Então finalmente saindo de casa, e o ônibus estava fora de questão no momento, minha única solução era... a bicicleta rosa choque da HelloKitty. Nem sabia se aquela coisa ainda andava ou suportava meu peso. Pelo menos a primeira impressão era a que ficava, e eu passava uma impressão adorável nela.

Caindo algumas vezes no percuso e xingando muitos tarados que insistiam em abrir a boca para falar da minha roupa. O querido adjetivo "filho da puta" ou a ordem amável "vai se fuder", já saiam automáticos dos meus lábios sem nem pensar duas vezes. Suspirei de alívio por ver os prédios da universidade em que eu sonhei em estar desde, quando visitei esse lugar como penetra, não foi ideia minha, culpem a Natalie.

Natalie...

Fazia tanto tempo que não escutava seu nome, nem nos meus pensamentos mais secretos e obscuros, mesmo sendo minha irmã. Eu parecia não ter permissão para pronunciar seu nome nem mesmo em silêncio.

Continuei pedalando, estranhei um pouco por não ter ninguém ali por perto, pois era o primeiro dia das cadeiras da maioria das matérias. Então veteranos e calouros, no caso eu era caloura, estudariam juntos, se isso me assustava? Muito, a minha capacidade intelectual não era a questão, a questão era que havia anos de distância da última vez em que entrei numa sala de aula normal. Normal, eu digo com um professor para uma quantidade absurda de alunos, isso era completamente aterrorizante e me fazia questionar todo e qualquer motivo de eu fazer Relações Internacionais.

Mas me imaginar, como uma bela diplomata, praticando meus quatro idiomas, viajando pelo mundo, longe pra cacete daqui, meu perfeito conceito de futuro. Com essa imagem em mente, a confiança se enradiava no meu semblante, era o que eu imaginava, até encontrar Ele.

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