Karma

72 1 0
                                    

Dae estava em um lugar escuro e úmido. Ratos e insetos rastejantes pareciam mover-se e fazer ruídos estranhos nas trevas à sua volta, a porta que o mantinha prisioneiro era de ferro ou de algum metal igualmente sólido e resistente. Não sabia ao certo como havia chegado ali, só se lembrava de ter estado amarrado e vendado em um lugar apertado e que sacolejava muito. Pensando com calma, deveria ter estado preso em um porta-malas ou algo do tipo. Tinha sido arrastado até ali por homens rudes, que o desamarraram e o jogaram naquele lugar terrível. Uma vez por dia alguém lhe trazia comida e água e depois o deixava sozinho de novo. Não havia visto nenhum rosto, e, nas raras vezes em que tinha entreouvido alguma conversa, eles não falavam em japonês, o que dificultava as coisas para ele, pois ainda não falava muito bem o novo idioma.

O jovem Dae não saberia dizer há quanto tempo estava preso ali, não via a luz do sol há muito tempo e nunca sabia se era noite ou dia, às vezes tinha a sensação de que meses haviam se passado. Não sabia o motivo de estar preso, talvez fosse, como nos filmes, um refém de homens maus, gangsteres ou terroristas. Enquanto estava perdido em seus pensamentos, Dae ouviu ao longe passos ecoarem, estava frio em sua cela, mas sem aviso a temperatura caiu drasticamente, fazendo com que ele tremesse incontrolavelmente e que o ar que ele expirava formasse nuvens de vapor branco. Dae ouviu vozes, duas pessoas, falando em japonês em frente à grossa porta de metal. Quem quer que fossem não pareciam preocupados em evitar que sua conversa fosse ouvida. Dae se concentrou para não perder nem uma palavra.

Primeiro uma voz feminina falou, ela o fazia lembrar o vento quando uivava em meio a uma tempestade de neve em sua terra natal.

– O Nekomata foi descoberto, ainda não sabemos como, os mortais já encontraram o cadáver da mulher.

– O que faremos? Disse uma voz masculina grave e ameaçadora.

– Precisamos movê-lo, nosso mestre o quer vivo e aqui ele não duraria muito, além disso, os mortais podem achá-lo, devemos evitar isso.

– Eles sabem a verdade?

– Em breve saberemos, logo teremos outro dos nossos entre eles, mas isso não me preocupa. Outro Youkai ajudou os mortais, um muito poderoso, ou eles jamais teriam notado o gato demônio, muito menos o afugentado.

– Devo me livrar desses humanos que estão cuidando do garoto?

– Não, mantenha-se longe dele por enquanto, logo nosso mestre encontrará um meio de quebrar o encanto que o protege e poderemos descartar esses humanos. Por hora, tenha paciência.

– Depois que mover o garoto, fique aqui com alguns dos mortais, talvez o outro Youkai consiga chegar a esse lugar, se assim for, mate-o.

– Sim, minha senhora.

– Se a profecia se cumprir, em breve teremos a espada.

Dae ouviu os dois se despedindo formalmente, e logo a temperatura de sua cela voltou ao normal, uma fina camada de gelo havia se formado sobre a porta e sobre todo o piso. O que eles haviam dito não fazia sentido, não falaram em policiais e resgates, mas em mortais e encantos, profecias e espadas. Entretanto, algo trouxera alegria ao seu coração, havia alguém tentando resgatá-lo, provavelmente alguém que seu pai havia chamado. Um herói, capaz de enfrentar gatos demoníacos e descobrir mistérios. Com esperança, ele rezou para a Deusa Kannon para que ajudasse seu salvador a encontrá-lo rápido.

***

Cerca de um ano atrás, no Japão, próximo a Kyoto, a cidade dos templos, caminhando em meio a uma densa floresta de pinheiros verdejantes e rochas ancestrais cobertas de musgo, um homem de aspecto muito particular podia ser visto. Ele vestia as antigas roupas dos Yamabushis que costumavam viver como eremitas nas montanhas vagando sempre sozinhos, e calçava getas de madeira de um salto, ainda por cima, extremamente alto. Além de suas vestimentas, seu cabelo chamava atenção, era branco como a neve sobre o monte Fuji e muito comprido. Algumas das pessoas que o viam pensavam tratar-se de um artista Kabuki, ou um ator de teatro nô fantasiado para alguma apresentação especial. Ele caminhava em meio às árvores seguindo o caminho para Togano-o-zan Kozanji que era marcado com pedras retangulares cobertas de musgo, não se viam estátuas espalhadas pelo caminho como era usual em outros templos. E aqui e acolá antigas construções de pedras arruinadas podiam ser vistas. Alguns turistas se divertiam tirando fotos da estranha aparição, muitos estranharam quando um senhor idoso, já encurvado pelos anos e apoiando-se em uma bengala, após olhar detidamente para o estranho peregrino através das grosas lentes de seus óculos, tivesse se ajoelhado e encostado a testa rente ao solo enquanto pronunciava uma antiga canção xintoísta.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Jan 02, 2015 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

OBAKEMONOOnde histórias criam vida. Descubra agora