80s - Listen To Your Heart

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Outubro de 1988

O sacolejar do ônibus finalmente terminou quando o veículo estacionou na rodoviária interestadual de Providence, capital de Rhode Island. Esther agarrou a bolsa surrada em seu colo e esperou que a maioria dos passageiros descessem para que ela pudesse levantar e então pegar a mochila no compartimento acima. Apoiou as alças sobre seus ombros, já sentindo o peso de sua pequena bagagem, e colocou a bolsa transversal junto, segurando-a à frente de seu corpo. Entregou o bilhete carimbado para o cobrador uniformizado e desceu, observando o vai e vem do lado de fora. O enorme relógio a sua frente indicava cinco e pouco da tarde, o que lhe dizia que ainda havia pouco mais de meia hora para que comprasse a passagem para seu destino final e pudesse comer alguma coisa. Estava realmente morrendo de fome.

Respirou fundo algumas vezes, dizendo para o receio que havia dentro de si que ele deveria se calar. Ela estava fazendo a coisa certa. Saíra de Pawtucket, sua cidade natal, com a certeza de que havia um mundo inteiro para descobrir e que não poderia mais viver em uma inércia doentia que lhe aprisionava a um cenário que ela queria esquecer. Deixaria Pawtucket e todas as memórias ruins para trás. Iria escrever sua própria história dali em diante e esperava que ela fosse louca e colorida, como nos filmes.

Encarou o espelho manchado do banheiro da rodoviária enquanto lavava as mãos e soltou um muxoxo irritado. Suas feições cansadas a incomodavam e o cabelo comprido demais também. Afastou-se um pouco mais da pia e encarou suas roupas, a blusa listrada e o macacão de um jeans gasto, mas o que de fato a incomodou foi a forma como seus ombros pareciam baixos demais e ela imediatamente arrumou a postura, lembrando-se de mandar um alerta para seu cérebro nunca mais repetir aquela postura subalterna. Nada mais de abaixar a cabeça e se curvar.

Com esse alerta em mente, saiu novamente para o vai e vem de pessoas, seguindo para a fila onde as passagens poderiam ser compradas. Esticou o pescoço e notou cerca de vinte pessoas à sua frente. Para não ver o tempo passar lento demais, retirou o walkman velho de seu meio-irmão da bolsa e deu play na fita. Havia roubado o aparelho da gaveta dele antes de fugir. JJ havia ganhado um aparelho portátil mais moderno e aquele não lhe faria falta. E se fizesse, que ele se danasse. Não ligava a mínima.

Começou a mover um dos pés no ritmo de Jump quando Van Halen preencheu seus ouvidos. Num segundo começou a imaginar sua vida dali em diante. Não conseguia deixar de sentir uma pontinha de pavor lá no fundo, mas a esperança e a coragem pesavam bem mais. Quando começara a planejar sua partida, há uma semana, sequer conseguira pensar em pontos negativos ou no que precisaria enfrentar estando apenas ela responsável por sua vida. Provavelmente encontraria muitos obstáculos, passaria por alguns perrengues, mas a verdade era que desde a morte de sua mãe ela precisou se virar sozinha. Não era como se ela fosse uma iniciante no assunto.

De qualquer forma, era inexplicável a sensação de estar a apenas algumas horas de uma nova vida, na cidade que ela sempre sonhou. Pensava no emprego que sua tia-avó Doreen havia gentilmente lhe cedido depois de uma ligação um tanto desesperada. Pensava em como poderia finalmente ser ela mesma, a Esther que sua mãe queria que ela fosse. Forte, independente, feliz e livre. Sobretudo livre. Queria mudar. Mudar o cabelo, mudar as roupas, mudar a mente. Queria abrir os olhos para tudo de bom que pudesse aprender que a escola não ensinara. Sentia-se disposta a correr uma maratona, se preciso.

Assim que a música trocou, esticou novamente o pescoço para tentar notar o porquê de a fila ter parado de andar. Notou que um rapaz se inclinava para o atendente no balcão e parecia lhe dizer palavras não muito agradáveis. Rolou os olhos, impaciente, e voltou a se concentrar no som que escapava dos fones, vendo o tal rapaz sair e deixar a fila fluir novamente.

Quando sua vez finalmente chegou, com o dinheiro já contado nas mãos, ela apenas respirou fundo e sorriu para o visivelmente esgotado funcionário.

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