Black Hearts

dois

Quando abro minhas pálpebras os raios solares atingem o meu rosto e se direcionam diretamente até os meus olhos, imediatamente fazendo com que eu os tapasse com a palma da minha mão e soltasse alguns resmungos em reprovação. Os meus glóbulos oculares sempre foram muito sensíveis a luz direta do sol e isso me fez detestar profundamente cômodos muito abertos, com janelas grandes e sem cortinas. Uma sensação dolorosa toma meu corpo e eu me remexo sobre um estranho colchão, sentindo minha cabeça começar a latejar fortemente quando as cenas da noite anterior me atingem em cheio, como um soco no estômago.

O desespero invade cada célula do meu corpo e eu rapidamente dou um salto da cama em que estava deitada, quase perdendo o controle das minhas pernas que bambeiam pelo movimento brusco.

Meus olhos correm freneticamente ao redor e eu faço uma varredura pelo pequeno cômodo desorganizado. Eu dou um passo à frente e o meu coração palpita ao notar que isso claramente é um quarto de um homem. As cores das paredes se mesclam entre o cinza chumbo e granizo enquanto o piso é de madeira maciça, no qual está jogado calças, pares de sapatos e uma jaqueta de couro. Não é muito convidativo e nada muito legível, fazendo com que seja praticamente impossível saber algo sobre o dono daquele quarto já que não há nada além do básico.

Hesito por um instante e engulo o nó que se forma em minha garganta, dando alguns passos para trás. As minhas costas batem contra a porta do quarto e a minha respiração começa a ficar desregulada. Eu não pretendia ficar ali nem por mais um segundo. Giro a maçaneta e saio, dando de cara com uma outra porta de madeira inteiramente branca que há logo de frente para o quarto. Recuo um passo em desconfiança e viro meu rosto para a esquerda, deparando-me com um extenso e mal iluminado corredor à frente. A minha boca fica seca e eu inspiro profundamente, ficando ainda mais nervosa quando começo a mover meus pés pelo corredor desconhecido cautelosamente.

Noto que não é uma casa e sim um apartamento. Um apartamento amplo e totalmente vazio. Ao chegar no outro cômodo, provavelmente a sala de estar, eu quase pulei em alegria ao ver a porta de saída do lugar. Sem olhar ao meu redor eu corro desesperadamente até a porta, me focando em apenas sair dali.

As minhas mãos alcançam a gélida maçaneta e quando a giro, pronta para sair dali o mais rápido possível, a porta não se abre. Tento mais uma vez com uma certa aflição, sem me importar com o barulho que a tranca faz, mas ainda assim não abre. Está trancada. Praguejo baixinho e afasto as minhas mãos da maçaneta, passando os meus dedos pelo meu cabelo emaranhado nervosamente. Até que, no segundo seguinte, uma voz grossa preenche todo o apartamento, antes silencioso.

— Achou mesmo que seria tão fácil assim?

Limpo a garganta e fecho os meus olhos fortemente.

Isso não pode estar acontecendo.

Não. Pode.

Escuto um arrastar de cadeira pelo piso e também um pigarreio que salta da garganta do indivíduo atrás de mim. Após alguns longos segundos, estática, eu finalmente me viro, vislumbrando do cara da noite passada em minha frente. Não demoro a notar que ele está mais limpo que da última vez que o vi. Suas roupas não estão mais sujas e amassadas. Ele está usando uma camiseta inteiramente preta justa em seu corpo esguio e suas mãos estão enfiadas nos bolsos de sua calça surrada e escura sem qualquer tipo de rasgos pelo tecido.

O cabelo castanho-claro está totalmente bagunçado e os seus traços suaves, porém muito bem marcados, estão ainda mais visíveis naquele instante do que antes. Ele é ainda mais bonito e sinto vontade de me socar por estar pensando nisso naquele momento pois eu posso estar nas mãos de uma pessoa perigosa e talvez até mesmo um psicopata. Contudo, por mais estranho que pareça, eu não me sinto completamente ameaçada ao ponto de pensar na possibilidade daquele cara me estrangulando por ferrar com seu carro e depois me jogando em direção ao rio há poucos metros de distância — que está um pouco visível por causa da enorme janela do piso ao teto que bem atrás dele.