Black Hearts

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As gélidas e grossas gotas da forte chuva caiam impiedosamente e disparadamente sobre toda a cidade enquanto embaçavam a viseira escura do meu capacete e consequentemente encharcava toda a minha roupa. A minha visão estava turva em meio a escuridão do anoitecer e meu coração batia fortemente contra minhas costelas enquanto eu tentava controlar as minhas intensas emoções e prestar atenção na estrada vazia em minha frente e conduzir a moto que, naquele momento, não parecia ser uma coisa tão simples como deveria ser. Pelo menos não no estado em que eu me encontrava; uma tremenda bagunça de sentimentos que se intensificavam a cada instante.

A minha vida havia se tornado uma tremenda confusão quando aceitei seguir os seus passos e ser melhor que todos os outros para finalmente ser a filha que Phillip Di Mutter tanto queria que eu fosse. Eu levava a minha vida mentindo, aceitando e agradando, mas nada que eu fizesse o agradaria.

Mesmo seguindo todas as suas regras e suas vontades ele não iria deixar de me enxergar como um verdadeiro peso que a vida o trouxe. Entre os meus três irmãos, eu era a única garota da família Mutter. Por vários anos a minha vida havia sido um tremendo inferno e se não fosse por Carina Inbar, minha mãe, ter escondido durante a sua gravidez que eu seria uma menina, provavelmente eu não estaria mais aqui. Meu pai já teria a manipulado e insistido por um aborto. E honestamente, se eu soubesse quem seria a minha família, se eu soubesse quem seria a pessoa que eu iria chamar de pai, eu preferiria não ter nascido. Entretanto, a minha mãe acreditava cegamente que se uma pequena e inocente menina entrasse na vida de Philip Di Mutter o seu coração de gelo iria se derreter e então ela poderia, enfim, viver a vida que ela tanto sonhava quando adolescente. Contudo, isso não aconteceu.

Eu definitivamente não era a salvação daquela família e ela percebeu isso tarde demais.

Era nitidamente notável no rosto do meu pai todo o seu remorso. Para ele, eu não seria capaz de tomar conta dos negócios da nossa família e comandar uma de suas empresas como Trenton, Grayson e Callum fariam. E eu não precisava perguntar o porquê de ele pensar assim pois era muito óbvio. Eu era uma mulher. E em sua cabeça, mulheres não podem ou ao menos tem certa capacidade em liderar. Além disso, o fato de eu não ser um homem e por eu não ter sido o quarto filho que ele tanto esperava, era o suficiente para que ele me odiasse para todo o sempre.

Quando mais nova, eu não entendia o motivo por ele nunca me tratar da mesma forma que tratava os meus irmãos que sempre viajavam com ele e iam visitar as suas futuras empresas enquanto eu sequer podia entrar em seu maldito escritório. Isso não é coisa pra garotas, ele dizia em um tom amargo que me causava arrepios. Tudo em sua vida se resumia em: Trenton, Callum e Grayson. Eles sempre foram os seus filhos prediletos que eram apresentados orgulhosamente para todos os seus amigos enquanto eu ficava trancada em meu quarto. Lembro quando comecei a me culpar e fazer perguntas frequentes para minha mãe pelo seu comportamento estranho. Uma vez havia até a perguntado se ele não me amava. Mas ela nunca me respondia e nunca iria porque estava sofrendo silenciosamente dentro de si mesma.

Após anos eu concluí que deveria realmente fazer algo que não o agradaria. Pensei em destruir com todos os seus carros importados, mas ele certamente compraria outros. Pensei em transformar o internato em que ele me jogou em um verdadeiro inferno, mas isso apenas o irritaria e pensei em espalhar as suas fotos nojentas com uma mulher loira e esbelta, que certamente não era a minha mãe, no banco de trás de seu Porsche.

Ah, tantas opções.

Tantas coisas para se pensar em fazer para arruiná-lo no momento em que a raiva pulsava em minha veia.

Mas então, depois de duas garrafas de álcool descerem rasgando por minha garganta, eu reuni toda a minha coragem e tomei a melhor decisão de toda a minha vida que certamente o mataria de tanto ódio que ele sentiria. Fugir. Me libertar de suas garras e ir para bem longe dele e de todos os malditos homens que deveriam ser meus irmãos mas que eram cópias idênticas dele. Eu estava livre, mas sabia que ele não iria me deixar deslizar de suas mãos assim tão facilmente. No entanto, não tinha mais volta e eu estava pronta para o enfrentar quando ele viesse.