Eu havia terminado de escrever mais um capítulo do meu conto aquela noite. Por algum motivo, eu havia me fissurado em criaturas macabras, tão incompreensível que apenas de olhá-las, imaginá-las, ou apenas ouvi-las sua mente se torna insana. Eu queria algo completamente fora do comum, completamente imprevisível e insano para escrever.
E insanidade define bem aquela noite.
Tomei um banho e preparei um copo de leite quente com mel. Sentei-me em minha mesa, peguei minha cruzadinha e comecei a fazê-la. Tinha aquele hábito desde que tive uma grande crise de insônia meses atrás, e fazer aquilo me ajudava a relaxar e dormir.
Mas algo me incomodava.
Eu não conseguia me concentrar nas palavras, não conseguia organizá-las. Um dos seres que eu havia criado que batizei de "O Corrompido" não saia da minha cabeça. Eu havia o colocado em uma cena de perseguição no banheiro de uma escola. A garota (vítima) não conseguia se livrar da terrível criatura... Que, por algum motivo, eu simplesmente não conseguia descrever a aparência.
Bloqueios mentais eram muito raros comigo, sempre sou muito hiperativo, criativo, doido até... Então por quê? Eu me perguntava, teria eu criado algo tão assombroso, que minha própria mente se negava a imaginar...?
Seja como for, amanhã tinha mais trabalho a fazer e eu já estava no limiar entre a vigila e o sono. Disse a mim mesmo que iria fazer mais uma... Apenas mais uma palavra da cruzadinha... E eu fiz.
Acordei em um salto com o despertador tocando alto do meu lado. Esfreguei meus olhos sentindo as pupilas arderem enquanto eu passava os dedos. Espreguicei-me e abri a janela, sentindo o ar frio da manhã arrepiando meus poros e as luzes do sol matutino me acordar.
Pelo menos, era isso que era para acontecer. Por que ainda estava de noite.
Minha espinha se arrepiou ao encarar aquela cena. O mais puro breu do lado de fora, rubro como o carvão. O medo logo se acalmou, pois minha parte racional pensou "A, eu devo ter programado o despertador errado" e fazia sentido, já que na noite anterior eu estava com muito sono. Fui verificar o despertador... A hora estava marcando 12h59min...
Meu medo começou a voltar, como um leve sussurro que canta baixinho lá no fundo da mente.
"Ok, pensei... meu celular deve dizer as horas corretas"
12h59min...
O arrepio voltou a minha espinha, agora se espalhando por todos os poros do meu corpo.
Fiquei imóvel observando os dois pontos do relógio digital piscarem lentamente.
TIC... TAC... TIC... TAC.
Fiquei alguns minutos ali.
TIC... TAC... TIC... TAC.
E a hora permanecia imóvel. O desespero começou a tomar conta do meu corpo. Eu não conseguia falar, nem chorar, nem pensar.
"O que porra tá acontecendo?"
Lentamente, andei até a porta do meu quarto. Acho que nunca senti tanta angústia em abrir uma porta. Eu sentia como se ela estivesse viva, pulsando.
Coloquei minha mão na maçaneta, senti o frio toque do metal gélido. Puxei-a bruscamente e tentei sair, mas ela estava trancada. Não havia chaves naquele quarto, eu deixava a porta aberta, afinal, morava sozinho.
Puxei-a mais uma vez, dessa vez com mais força, mas ela continuava imóvel.
Afastei-me e preparei-me para chutá-la.