Primeira Parte

151 15 0
                                    

     A tarde era calma e haviam poucas carruagens nas ruas. O céu londrino estava cinza e poluído como sempre e isso me deprimia até a alma. Holmes, para ajudar a melhorar o clima, estava sentado em sua poltrona tocando suas melancólicas melodias em seu adorado violino.
     "Nenhum caso recente, como posso perceber" Eu disse apontando para o instrumento.
Faziam quase oito meses que eu dividia o apartamento 221B com Holmes e já aprendera um pouco de seus hábitos, O arranhar depressivo do arco nas cordas de seu violino era um claro sinal de tédio. Ele parou de tocar e me respondeu infeliz.
      "Ah, doutor. Estou sofrendo de uma abstinência terrível, nunca experimentei algo igual! Talvez seja apenas resultado dos casos toscos que ando recebendo, com os quais não perco meu tempo, mas sinto no fundo que é como se a própria vida estivesse letárgica."
      Assim que meu companheiro terminou as suas conclusões sobre a deprimente fase que passávamos, ouvi batidas rápidas e frenéticas na porta. "Tenho a impressão de que algo interessante nos aguarda atrás dessa porta; Watson, por gentileza, convide o cavalheiro para entrar."
      Levantei e obedeci. Nosso cliente era jovem, com cabelos avermelhados, pele clara e olhos escuros. Era esguio e estava vestido de forma elegante, embora aparentemente tenha se vestido as pressas. Estava vermelho, evidentemente agitado pelo motivo que o trouxe aqui.
      "Esta é a residência do detetive Holmes?" O cavalheiro perguntou. Respondi que sim e mostrei onde deveria sentar-se. O ritual era sempre o mesmo, toda vez que um novo cliente chegava.
      "Fico muito agradecido por sua hospitalidade, Sr. Holmes. Sou Arnold Orange, secretário dos assuntos gerais da corte britânica. Vim aqui para tratar de um assunto confidencial e, de certa forma, assustador! O senhor com certeza já ouviu falar dos gostos peculiares de nossa Rainha, que Deus a salve, em questões de vestimenta. A Realeza possui até um grupo de caça especializado em caçar os mais raros espécimes de animais para confeccionar as roupas mais luxuosas de toda a Europa"
        Tive a impressão de que seria um caso fascinante para Holmes, já que se tratava de um caso da Realeza. Porém, quando olhei para a expressão de meu amigo, não vi nada além de tédio. Algo estava errado, Sherlock jamais ficaria desinteressado por um caso assim!
     "Este ano, o grupo ficou responsável por caçar um cervo de pelagem totalmente branca, um animal extremamente raro e de beleza sobrenatural. Passaram-se quatro meses até que o animal fosse localizado, no norte do país, e mais seis para que fosse capturado. A captura ocorreu neste domingo, e os caçadores passaram a noite comemorando, como era de se esperar. Porém, ao amanhecer, o corpo de cervo havia desaparecido da cabana onde eles o haviam trancado. Não havia sinal de arrombamento"
     "Veio me comunicar um roubo ocorrido pela falta de competência de um grupo de caça? Devo lhe dizer que isso é um trabalho para a polícia. " Interrompeu Sherlock. Fiquei espantado com o uso audacioso e incomum das palavras de meu companheiro. Felizmente o cavalheiro não pareceu ofendido e explicou o porque não recorreu a polícia.
     "Não podemos contar com a polícia. Mesmo quando concordam em omitir os fatos, sempre acaba vazando informação. E Sr. Holmes, posso garantir que ainda não cheguei na parte assustadora desse caso. Para isso antes vou ter que contar-lhes um escandalo ocorrido com a família Real, há 12 anos."
     Meu companheiro finalmente mudou de expressão. Agora analisava o cliente com um fingido ar de curiosidade.
      "Os senhores certamente se lembram que a Rainha, que Deus a salve, teve dois herdeiros, com três anos de diferença entre eles. O mais novo faleceu de uma doença grave quando tinha apenas 10 anos." Ele suspirou como se o príncipe falecido fosse seu próprio filho. Eu concordei com a cabeça, pois me recordava bem dessa história.
     "Mas, não foi isso o que realmente aconteceu. O príncipe não sofria de mal algum, ele foi... assassinado"
      Eu tive um sobressalto, cada fato contribuía para transformar nesse o caso mais intrigante que já vira. só não era mais intrigante que o sorriso desdenhoso de Holmes.
     "Já imaginava que tivesse sido assassinato" Proclamou Holmes, deixando o cliente boquiaberto.
     "HOLMES!"
     Algo definitivamente estava errado, a inconveniência não era uma característica de Sherlock, geralmente fazia uso sábio das palavras e calculava com exatidão o momento de pronuncia-las. Após eu chamar-lhe a atenção, meu companheiro afundou na cadeira como que se meditasse sobre o assunto. Pigarreei para que o cliente continuasse a narrativa.
     "Bom... O responsável pelo assassinato era um homem ligado a uma conspiração contra a monarquia, ele foi localizado e executado"
     "Perdoe-me interromper, mas qual a ligação desse assassinato com o roubo da pele?" Eu perguntei.
     "Aí é que vem o mistério. No lugar onde estava o corpo do animal, foi encontrado um medalhão de ouro que pertencia ao Príncipe assassinado. O medalhão fora um presente do Rei, que Deus o salve, para seu filho. Todos os membros da Realeza juraram que o objeto havia sido enterrado junto com o corpo do príncipe. Mas também confirmaram que era o mesmo medalhão que foi encontrado pelos caçadores."
     "Imagino que o senhor não esta com o medalhão aqui" Holmes perguntou.
      "Oh, não! está protegido pelos guardas nos aposentos reais do Palácio de Bukingham. Se estritamente necessário eu conseguiria um tempo para o senhor examina-lo."
      "Seria excelente!" Disse Sherlock "Na verdade, o senhor deveria providenciar isso agora mesmo. Enquanto isso eu e meu companheiro Watson vamos meditar sobre as informações que nos ofereceu, tenha um bom dia!"
       O sorriso cordial de Holmes desapareceu assim que fechou a porta atrás de si. Alcançou a poltrona a passos largos e nela se afundou novamente. "Finalmente um caso bom, não! acha já obteve conclusões?". Perguntei, mas Sherlock não respondeu.
      "O caso é tão complexo que perdeu a habilidade da fala?" Eu insisti na conversa, queria saber o que se passava na mente de meu amigo.
      "Quem dera eu tivesse perdido a habilidade de falar e não de raciocinar com clareza, ou de pelo menos me entusiasmar pelas coisas certas. Oh, John! Minha mente anda traiçoeira. e... eu não sei o que fazer"
     Foi algo Inacreditável! Era impossível existir um dia mais cheios de surpresas. Claro que Sherlock não sabia de muitas coisas, mas admitir isso era diferente.
     " Desculpe, Sherlock. Acho que vai ter que se explicar melhor"
     " Creio que isso não ajudaria"
     " Holmes. Você pode mentir para quem quiser sobre ser uma perfeita maquina de dedução, até para si mesmo, mas não para mim. Sei bem que é um ser humano antes de tudo. Então pelo amor de Deus pare de achar que não precisa de ajuda e me fale o que diabos está havendo com você."
     Depois de meditar em silêncio, Sherlock se levantou, pegou seu sobretudo e me jogou meu casaco.
     " Tem razão, John. É preciso se afastar dos problemas para entendê-los melhor".

Um mistério de pelagem branca - JohnlockOnde histórias criam vida. Descubra agora