schopenhauer

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— E para dar início à nossa aula de hoje, irei dizer uma das frases célebres de Sofócles, grande dramaturgo da Grécia Antiga: "Só uma palavra nos liberta de todo o peso e da dor da vida: essa palavra é o amor".

Ao terminar de falar, Namjoon pode ouvir um burburinho vindo do fundo da sala e nem precisou se virar para saber que havia uma mão estendida e, certamente, um sorriso sarcástico na pessoa que a levantara.

— Diga, Kim Taehyung.

Sem retirar o olhar de Namjoon, este que estava de costas escrevendo algo na lousa, Taehyung começou a falar.

— Desculpe, professor, sem querer descredibilizar esse grande dramaturgo grego, mas eu discordo.

O mais jovem proferia cada palavra em um tom jocoso, enquanto apoiava, com um dos braços, o seu rosto.

— Do que você discorda, Kim?

— Do amor. Até porque... ''Todo estar enamorado tem em mira unicamente a procriação de um indivíduo." Disse Schopenhauer. Então, não, o amor não nos liberta de nada. Na verdade, ele é uma das provas mais concretas de que somos meros escravos da vontade. O senhor, não acha? A vontade de fugir da finitude e achar que, por meio da procriação, podemos estender a nossa vida ao eterno. No fim, é tudo sobre sexo e medo de morrer.

— Bem, você tem um ponto de vista intrigante, bem embasado e... Bastante amargurado. Podemos inclusive abrir um debate sobre a temática amor em sua homenagem, mas caso queira discordar agora, acho melhor ir diretamente ao autor da frase. E, para isso, eu te indicaria o tabuleiro Ouija, dizem que assim conseguimos nos contactar com os mortos.

Várias risadas invadiram o local.

Namjoon falava, ainda encarando a lousa, mas ao finalizar os dizeres que nela escrevia, virou-se para observar os olhos do outro e ver qual reação ele teria depois de ouvir o que estava por vir.

— Aliás, a quanto tempo você não ama, nem transa, Kim?

— Desde que decidi viver de arte, professor. Ou eu estudo para a faculdade e tento vender algumas das minhas pinturas, ou passo fome me tornando um hedonista que vive por sexo e acredita nos amores dos contos de fadas.

As palavras do mais novo foram ditas de maneira extremamente despreocupada e apática, só que a atitude não chegava a surpreender os alunos da classe.

Afinal, ele era a "Violet Evergarden" do departamento de artes. Apático e, apenas durante os horários de filosofia, sarcasticamente ácido.

Desse modo, os meses seguiram com aluno e professor se provocando sempre que as temáticas amorosas surgiam nas aulas, mas nenhum dos dois parecia levar nada daquilo para o pessoal. Acabaram até por virar bons amigos, mesmo depois de Taehyung cumprir toda a carga horária de filosofia.

Às vezes, quando a palavra amor aparecia nas suas conversas, o mais novo optava por desviar, ou buscava no seu palácio mental algum trocadilho filosófico e, vez ou outra, respondia com rispidez. Ditos comportamentos que Namjoon decidia ignorar e não cutucar a onça com a vara curta.

Bem, ele conteve a curiosidade apenas antes daquele sábado chegar.

Ambos os Kim bebericavam um bom vinho e desfrutavam da sensação de quentura e conforto que o líquido passava para os seus corpos, ao passo que o mundo fora do apartamento parecia congelar. Aquela era uma ''pré-comemoração'' -ou só uma desculpa para encherem a cara juntos- da formatura do futuro artista plástico -como Taehyung gostava de ser chamado- que chegaria em breve -mais especificamente em 4 meses.

— Taehyung, posso te fazer uma pergunta?

O hyung disse, suavemente, à medida que o seu olhar deixava de acompanhar as gotas de chuva escorrendo pela janela e se direcionavam a Taehyung, que pincelava a tela à sua frente com firmeza no toque.

— Claro, professor.

— Professor? Achei que já tínhamos superado essa fase.

— E eu achei que era uma espécie de kink nosso? Uh? - Falou galanteador, piscou um dos olhos e depois levantou a sobrancelha esquerda.

— Não seja ridículo, pirralho... Por qual motivo você repudia tanto o amor?

— É sério isso? E eu achando que seria um pedido de casamento, ou uma cantada com o objetivo de me levar para a cama... Como gato, você veio de uma padaria? Porque quando te vi achei que estivesse vendo um sonho.

— Você tem certeza que a sua idade não é 8, ao invés de 24?

— Ei! Você pediu que eu respondesse à uma pergunta, não a duas.

A verdade é que Taehyung não queria contar os porquês. Não queria ter de lembrar de tudo que viu durante a infância e a adolescência. Principalmente não queria lembrar das lágrimas da sua mãe, dos gritos, dos xingamentos, das noites que passou apenas na companhia do caderno de desenhos que tinha, porque os seus pais estavam em algum lugar da rua brigando. Era tudo dolorido demais. E a ferida, tal qual as tintas que aplicava na tela, ainda estava fresca.

Em contrapartida, ele estava seco e desiludido.

Por mais que as relações comecem com a sensação de milhões de libélulas te percorrendo por dentro, paixões avassaladoras e flores, a adrenalina cessa, as libélulas morrem e as flores secam -a não ser que estas sejam falsas.

Ao invés de responder, Taehyung o lançou apenas um sorriso ladino, embora os seus olhos esboçassem pura tormenta, dor e uma escuridão indescritível.

— Eu queria te propor uma coisa. E não! Eu não vou te pedir em casamento, nem vou propor sexo, pervertido.

Ouch. Com essas palavras você me machuca, professor. Pode propor. - Fingiu enxugar algumas lágrimas.

— Gostaria de te mostrar outras abordagens do amor no ponto de vista de alguns filósofos, além dos que vimos nas aulas. Talvez isso amoleça esse coração de pedra que você tem.

— Namjoon, eu sou capricorniano, o coração de pedra é o meu charme, por favor! E sim, por mais que eu não entenda esse fascínio em querer me tornar um poeta ultrarromântico, eu aceito a sua proposta, contanto que... - Deixou o suspende pairar no ar e foi se aproximando do mais velho.

— Taehyung, eu já disse que não vou transar com você. - Á essa altura do campeonato o dono dos cabelos de menta, estava sentado no colo do moreno e tinha os braços contornando o pescoço dele. 

Apesar de parecer, isso não era grande coisa para os dois que eram tão acostumados a contato físico constante.

Namjoon costumava perguntar a si mesmo se essa característica do Kim era, justamente, devido à necessidade de receber afeto vindo de algum lugar -que não fossem os sentimentos crus.

— Eu só ia te pedir um beijinho, babaca. Não disse qual, não disse onde...

— Então, tudo bem. Um beijo me parece um pedido bem apaixonado, não é? Acho que já tivemos um progresso.

Namjoon sorria devasso e entrelaçava a cintura do homem sentado sobre si.

— Pode ser agora?

— Não. Só depois que você me trouxer uma pequena dissertação sobre Aristóteles e o amor.

Ugh Taehyung eu não sou mais o seu professor. – O mais novo gesticulava e imitava a voz de Namjoom forçando exageradamente.

— Professores não beijam alunos.

— Exato! Por isso ainda não saímos da estaca zero. – Rolou os olhos.

— Quem tem pressa come cru.

— E quem é lento não come nada. Agora, me dê licença, porque alguém aqui precisa trabalhar. – E com isso, voltou a imergir na obra que criava.

find love among vast ignorance, angelOnde histórias criam vida. Descubra agora