Capítulo Único

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<Seis e quarenta e sete da tarde>

Aomine se condena por ter colocado aqueles sapatos para sair. Nem havia percebido o quanto o manto azul do céu que o cobre, no presente momento sendo invadido pela aquarela colorida do entardecer, havia se desatado em um temporal na alvorada anterior. Agora, voltando da expedição de um mundo aparentemente pós-apocalíptico (é o que, na opinião do moreno, as ruas vazias se assemelham) graças à pandemia, ele reflete quanto tempo o tomará esfregar a lama endurecida dos tênis brancos.

Os nós de seus dedos, após três batidas, descansam sobre a madeira em relevo da porta de entrada que tão bem está acostumado, esperando ser atendido. Ele observa mais uma vez, estupefato, o silêncio da rua desguarnecida de presenças, a não ser pelos guardas de máscaras frente a casa ー que já pegaram a sua própria e a descartaram.

― Mas que porr...  ― Um sobressalto o atinge como uma bala após a porta ser aberta tão abruptamente. 


― AOMINECCHI!!! ― O loiro energético se joga contra o corpo do moreno, entrelaçando seus braços sobre o pescoço alheio e quase os levando ao chão. ー Você tá vivo! 

― Que merda é essa, Kise?! ― Aomine cambaleia para trás antes de pousar suas mãos na cintura esbelta do loiro, que no momento veste um moletom listrado que definitivamente é duas vezes maior que ele próprio. O azulado bem pode afirmar; conhece o corpo do menor como um mapa topográfico. E gosta de explorá-lo tanto quanto. ― Oe... ― seus mirantes azulados miram Kise de cima abaixo, se concentrando no baixo

Antes de pensar duas vezes ー algo como instinto, talvez ー, Aomine o leva porta adentro e a fecha atrás de si em um estrondo agudo. 

― Não saia de cueca na rua, idiota! ― Aomine diz contra o rosto do louro, que continua à centímetros do seu, deixando suas respirações se mesclarem. ― E como assim "você está vivo"? ― Aomine contempla a imagem de seu namorado bagunçado ー e simplesmente irresistívelー grudado ao seu corpo.

― Fiquei preocupado, oras! ― Kise exclama manhoso, com o que Daiki diz ser sua típica cara de cachorrinho abandonado. Ryota o leva como um elogio. E talvez realmente seja um elogio, afinal, até mesmo os insultos de Daiki para o louro soam amorosos. 

― Em primeiro lugar ― Aomine inicia, se curvando e retirando os tênis brancos e lamelados ―, eu mal acabei de sair e já voltei. E em segundo... ― O azulado recompõe a postura e enlaça o loiro que continua a fitá-lo com aquelas orbes de ouro que tanto gosta de admirar. ― Já te disse que estamos passando por uma pandemia, não um apocalipse. ― Por mais que parecesse um pouquinho essa segunda opção. 

― Não diga como se as duas coisas não fossem iguais no final das contas. ― Ryota mostra sua língua de modo infantil, ação que desarma qualquer barreira de argumento que Aomine possa elaborar; talvez Kise por completo seja um conjunto de argumentos que Daiki não consiga revogar, por mais certo que esteja. ― E você não deveria ter ido fazer compras? ― Kise insinua a falta de sacolas e, na verdade, a falta de qualquer coisa que não o próprio Aomine junto ao Aomine. 

Bonsoir, Mon AmourOnde histórias criam vida. Descubra agora