QUINZE dias se passaram depois de minha aventura.
Durante este tempo é escusado dizer-lhe as extravagâncias que fiz.
Fui todos os dias a Andaraí no ônibus das sete horas, para ver se encontrava a minha desconhecida; indaguei de todos os passageiros se a conheciam e não obtive a menor informação.
Estava a braços com uma paixão, minha prima, e com uma paixão de primeira força e de alta pressão, capaz de fazer vinte milhas por hora.
Quando saía, não via ao longe um vestido de seda preta e um chapéu de palha que não lhe desse caça, até fazê-lo chegar à abordagem.
No fim descobria alguma velha ou alguma costureira desjeitosa e continuava tristemente o meu caminho, atrás dessa sombra impalpável, que eu procurava havia quinze longos dias, isto é, um século para o pensamento de um amante.
Um dia estava em um baile, triste e pensativo, como um homem que ama uma mulher e que não conhece a mulher que ama.
Recostei-me a uma porta e dai via passar diante de mim uma miríade brilhante e esplêndida, pedindo a todos aqueles rostos indiferentes um olhar, um sorriso, que me desse a conhecer aquela que eu procurava.
Assim preocupado, quase não dava fé do que se passava junto de mim, quando senti um leque tocar meu braço, e uma voz que vivia no meu coração, uma voz que cantava dentro de minha alma, murmurou:
— Non ti scordar di me!...
Voltei-me.
Corri um olhar pelas pessoas que estavam junto de mim, e apenas vi uma velha que passeava pelo braço de seu cavalheiro, abanando-se com um leque.
— Será ela, meu Deus? pensei horrorizado.
E, por mais que fizesse, os meus olhos não se podiam destacar daquele rosto cheio de rugas.
A velha tinha uma expressão de bondade e de sentimento que devia atrair a simpatia; mas naquele momento essa beleza moral, que iluminava aquela fisionomia inteligente, pareceu-me horrível e até repugnante.
Amar quinze dias uma sombra, sonhá-la bela como um anjo, e por fim encontrar uma velha de cabelos brancos, uma velha coquette e namoradeira!
Não, era impossível! Naturalmente a minha desconhecida tinha fugido antes que eu tivesse tempo de vê-la.
Essa esperança consolou-me; mas durou apenas um segundo.
A velha falou e na sua voz eu reconheci, apesar de tudo, apesar de mim mesmo, o timbre doce e aveludado que ouvira duas vezes.
Em face da evidência não havia mais que duvidar. Eu tinha amado uma velha, tinha beijado a sua mão enrugada com delírio, tinha vivido quinze dias de sua lembrança.
Era para fazer-me enlouquecer ou rir; não me ri nem enlouqueci, mas fiquei com um tal tédio e um aborrecimento de mim mesmo que não posso exprimir.
Que peripécias, que lances, porém, não me reservava ainda esse drama, tão simples e obscuro!
Não distingui as primeiras palavras da velha logo que ouvi a sua voz; foi só passado o primeiro espanto que percebi o que dizia.
— Ela não gosta de bailes.
— Pois admira, replicou o cavalheiro; na sua idade!
— Que quer! não acha prazer nestas festas ruidosas e nisto mostra bem que é minha filha.
A velha tinha uma filha e isto podia explicar a semelhança extraordinária da voz. Agarrei-me a esta sombra, como um homem que caminha no escuro.
Resolvi-me a seguir a velha toda a noite, até que ela se encontrasse com sua filha: desde este momento era o meu fanal, a minha estrela polar.