Ana
--- Mãe, por favor, não começa... É lógico que eu estou com saudade de vocês... Eu vou trazer vocês para ficarem comigo assim que puder, mas entende que eu não tenho condições de fazer isso agora.
Tento acalentar dona Isis que está irredutível hoje.
--- Você já diz isso há não sei quanto tempo Ana, seriam apenas três meses e você já está aí a quase seis, me largou aqui com a sua irmã e... Ahg! Eu estou agoniada menina. Eu sinto a sua falta, você sabe que somos apenas nós três nesse mundo desde que o desgraçado do seu pai nos abandonou e... E... - Sei que começou a chorar.
--- Mãe... Tenta entender, por favor...
Fecho os olhos e falo pausadamente, já cansada do mesmo dilema que enfrento todas as noites quando falo com a minha mãe.
--- E além do mais seria melhor estarmos juntas novamente para diminuir as despesas. - Funga e continua. --- Eu te conheço e sei que você deve está passando por poucas e boas enquanto finge que não, para poder mandar esse dinheiro no final do mês para gente. - Os meus olhos ardem e enchem de lágrimas que eu deixo rolar silenciosamente. Segurando um soluço e olhando em volta para ver o espaço apertado e vazio que consigo bancar para me abrigar durante as noites frias, tristes e solitárias aqui em Berlim, sinto uma pontada e um aperto forte na barriga quando a dor causada pela fome surge para completar o cenário miserável no qual me encontro. Sim, o meu estômago está roncando e se contorcendo de fome. A última vez que deu para comer foi ontem de manhã. Eu literalmente tenho que ser rápida e esperta pois preciso aproveitar as promoções durante a semana para conseguir fazer pelo menos uma refeição a cada 2 dias, só assim consigo economizar mais e manter a minha família bem lá em Nordestine-se no Brasil.
--- Mãe eu juro que estou bem. - Falo com toda força de vontade que sou capaz de reunir, a mesma força que me fez permanecer na Europa após uma viagem que fiz a trabalho chegar ao fim. Inicialmente permaneci na Espanha, porém como a vida local em Barcelona era cara e as propostas de trabalho quase não existiam para estrangeiros prestes a ficarem ilegais, decidi aproveitar o fim da validade do meu visto de turista, juntei tudo que tinha (o que era quase nada além de uma mala) e andei por outras terras buscando melhores oportunidades.
--- Filha, por que você não volta? A gente dá um jeito, a gente sempre dá... A vida aqui pode não ser a melhor, mas nós sobrevivemos. Você pode voltar para o seu antigo trabalho, a dona Alice já me disse que o seu cantinho continua te esperando.
--- Ah não! Mãe, por favor, me diz que você não andou falando sobre a nossa situação com o pessoal do meu antigo trabalho? - Meu Deus! Era só o que faltava.
--- Eu não falei nada demais, foi só uma conversa curta com ela que veio me perguntar como você estava...
--- E o que a senhora disse? - Pergunto receosa e com medo da resposta.
--- Dei a mesma resposta que você me dá, mesmo sabendo que é menti... - O telefone apita, a tela trava e depois fica preta. Que maravilha, a internet acabou!
--- Parabéns para você celular e parabéns para você Ana - burra, incompetente, fraca, idiota e lixo - nem a capacidade de conseguir um trabalho que pague uma conexão decente de internet você têm.
--- Eu me odeio!
--- Eu tô tão fodida!
--- Eu não quero voltar... Mas parece que não existe outra opção.
"Você é maluca Ana"
"Você não pode está falando sério"
"Como você vai sobreviver aqui sem conhecer ninguém?"
"Aqui não é o Brasil"
"Eu não dou 1 mês para você ligar para Alice pedindo para voltar"
--- Meu Deus, me ajuda! Eu não sei mais o que fazer da minha vida.
--- Me ajuda!
--- Me dá uma luz... - Sussurro ao ter a mente nublada pelo pensamento que tem me afagado e colocado para dormir nas últimas noites desde que cheguei... Aqui parece ser o meu ponto de partida.
--- Não me deixei cair em tentação... - Faço uma oração, fecho os olhos e me abraço quando uma lufada de ar gelado uiva dentro do cômodo vazio.
--- A morte não vai resolver os meus problemas... A morte não vai resolver os meus problemas... - Repito e repito como um mantra. Respiro fundo e me deito no chão duro mas limpinho, porquê se tem uma coisa que a minha mãe me ensinou foi a ser pobre com dignidade e a higienização fez parte desse ensino barra aprendizagem.
Pego um casaco e coloco embaixo da minha cabeça - o fazendo de travesseiro -, me cubro com uma toalha de banho grande que consegui roubar do hotel onde fiquei hospedada na Espanha durante aquela viagem a trabalho que fiz no começo do ano e que me trouxe até aqui...
Um lugar vazio.
Uma vida vazia.
--- Preciso ser forte para me manter viva por minha mãe e por minha irmã. Eu só tenho elas e elas só tem a mim. Não posso esquecer disso.
--- Amanhã será um novo dia.
--- Pai, fazei com que amanhã seja melhor do que hoje mas não melhor que o dia posterior. Amém.