Rodrigo

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Eu não sei o que estou fazendo aqui ao certo . Eu sei. Estou aqui por Rafaela, por tudo que vivi com ela, pela promessa que fiz a Thomas para tentar sair deste estado quase vegetativo que vivo desde o dia que percebi que fiz a maior estupidez de minha vida abandonado ela. Péssima decisão. A pior de todas. A que não deixo de me arrepender de ter tomado. Fui um idiota... Queria "curtir" a vida. Mas não consegui curtir nada sem ela.

- Oi ! - Fui interrompido de meus devaneios por uma garota morena de olhos cor-de-mel sentada em minha frente na recepção da Clínica onde iniciarei uma terapia. Olho para ela que sorri pra mim, mas não estou afim de conversar. Permaneço calado apenas cumprimentando ela com um movimento de cabeça. Ela continua :

- Me chamo Gabriela. Estou com dra. Mile há um ano. Álcool e remédios. Você é novo aqui, não é?- Eu não tinha perguntado nada a ela ,por isso não me sentia na obrigação de falar, mas seu olhar me fez fazer o contrário.

- Olá ! Sou Rodrigo. Hoje é meu primeiro dia - Me levanto ,estendo a mão e ela retribue o cumprimento sorrindo.  - Meu caso é de coração partido e álcool.

- Combinação perigosa. - diz ficando séria .Neste breve instante em que semblante ficou diferente, percebo que meu coração pula uma batida .Acho estranha esta sensação. Ela pigarreia e vejo que  ainda segurava a dela. Solto suavemente sua mão e fico sem graça. Ela também fica e começa a mexer nervosamente nas unhas, mas depois volta a falar. - Sabe, Rodrigo, além da terapia, participar de um grupo de jovens foi muito bom pra mim também. Eu tinha aminha frente muitas portas fechadas. Muitas perguntas sem resposta. Precisava de algo que não sabia o que era até encontrar. Você não gostaria de participar de meu grupo?

Olho de novo pra ela e percebo que veste uma camisa branca cheia de corações com a seguinte frase :

" O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha.

Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor.

 O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade.

Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. " I Cor 13, 4-7

- Não sou muito religioso. - Na verdade, eu sou quase um ateu, mas por algum motivo que eu não sabia explicar , não consegui admitir minha indiferença em relação a religião para esta garota. Ela parecia tão serena, não conseguia imagina -la com problemas com vícios.

- Jesus mudou minha vida, foi Ele que, quando eu estava no fundo do poço, me resgatou e me trouxe até a dra. Mile. Ele transformou toda minha vida. Se por acaso quiser conhecer, sei lá, fazer uma experiência, a gente se reúne aos domingos às 19h no Centro Comunitário da Pituba.

- Domingo sempre é um dia muito complicado.- disse tentando fazer ela perceber que eu não estava interessado. Porem ela não pareceu se importar e continuou falando.

- Se dê a chance de conhecer uma vida diferente da que tem hoje. Tenho certeza que não vai se arrepender. Eu normalmente estou lá no acolhimento, se tiver receio de chegar e ficar sozinho, me liga dizendo que tá indo. Apresento você pra galera. - e me deu um cartão com seu nome e telefones.

- Sr. Rodrigo. - Fomos interrompidos pela terapeuta. - Tudo bem , Gabriela?

Olhei pra aquela garota e sorri.

- Ola, dra.

- Sou eu. - Fiquei de pé.

- Sua vez. Vamos ?- falou.

- Sim ,claro.

Entrei na sala da dra. Mile, uma sala bem clean, com pouca mobília. A terapeuta era uma senhora de no máximos 50 anos, simpática, loira ,alta. Fiquei imaginando como seria mais nova, pois era muito bonita. 

O que será que fazia uma pessoa optar por ficar ouvindo as baboseiras dos outros e ainda absorvendo seus problemas? . pensei...

- Como vai, Rodrigo?

- Para estar aqui ,acredito que não muito bem.

- Vi que conheceu Gabriela. - ela falou se sentando numa poltrona grande e preta e me indicando outra poltrona igual para sentar. - Ela é um doce de menina.

- Religiosa demais pelo que percebi.

- Isso é ruim, Rodrigo ?

- Depende pra mim é uma grande besteira. Não acredito na existência de Deus.

- Sei sei...Agora me conte : O que o trouxe aqui?

- Uma obrigação....

- Uma obrigação?

- Vou contar resumidamente. Eu estava noivo de uma garota muito especial, mas não sei ....Simplesmente terminei com ela. Ela não aceitou mas mesmo assim terminei. Eu queria, sei lá, beber, sair com outras garotas e acho que me sentia sufocado por ela. Queria experimentar a vida, nós sempre fomos certinhos demais. Não queria mais ser certinho, queria viver perigosamente, queria adrenalina. Depois que terminamos, todos os dia saia para beber, cada noite tinha uma garota diferente. Estava me sentindo feliz.Mas....

Dei uma pausa talvez tentando processar se realmente eu estava feliz daquele jeito. Naõ encontrei uma resposta. Meus pensamentos saíram daquela sala naquele instante e voltei a lembrar do dia dia que terminei com Rafa. Lembrei de toda sua dor estampada em seu rosto meigo. Lembrei de sua voz suave e de seus beijos...

- Rodrigo ?

Não sei quanto tempo fiquei fora do ar, mas a voz da terapeuta me trouxe de volta.

- Desculpe.

- Continue, você falava das farras.

- Pois é, quando a gente bebe sempre encontra companhias, mas um belo dia fui dançar forró ,mesmo com tanta gente envolta, estava me sentindo só. Justo neste dia encontrei Rafaela . Já tinham se passado alguns meses de nosso término e ela parecia tão perfeitamente linda. Aquela visão me deixou mais triste . Nos falamos rapidamente porque assim que me aproximei, uma amiga dela que não gosta muito de mim, se aproximou também. De repente minha mente começou a não aceitar nossa separação. Não sei explicar. Comecei a persegui -la ,mas ela agora me rejeitava e eu não aceitava sua rejeição de forma nenhuma. Ela tinha encontrado outro rapaz, não gostava mais de mim. Isso não funcionou bem pra mim, fui bebendo cada vez mais . Sempre ficava na porta do prédio ela, tentando vê-la e  um dia percebi que ela tinha se entregado para o tal carinha, algo que não tinha feito comigo. Fiquei louco e a ataquei. Quando me dei conta, estava no chão do apartamento dela tonto e ensanguentado. Só lembro do namorado dela nos levando para um hospital e depois me obrigando a procurar tratamento. Ele me indicou a senhora. Por isso estou aqui, preciso melhorar para merecer pelo menos que Rafaela  olhe pra mim de novo algum dia, pois não sei se ela vai me perdoar.

- Entendo. E você parou de beber?

- Não, eu gosto muito de beber, me ajuda a aliviar a tensão da vida.

- Para dê  certo seu tratamento, Rodrigo, primeiro você precisa perceber que tem problemas com o álcool e queira vir aqui por você e não por obrigação. Entende?

- Entendo, Quero tentar melhorar por Rafa e por mim  também. Minha vida está muito vazia.

Ela continuou as explicações do tratamento e pediu pra eu fosse pelo mesmo uma vez por semana lá em seu consultório. Sai  e fui em direção a recepção pra marcar meu retorno. Gabriela quando me viu ,ficou de pé e veio em minha direção.

- E ai, gostou?

- Sim, sim.

- Pense direitinho, Rodrigo, e veja se se anima a visitar meu grupo. Vou adorar rever você.

Olhei bem pra ela, agora que estava de pé ao meu lado pude ver que era alta, quase da minha altura e eu sou bem alto  e muito bonita.....muito bonita mesmo. Se pensar, disse:

- Vou pensar sim. Tchau.

- Tchau.- disse ela se aproximando e me dando um beijo na bochecha e um abraço. Não esperava que me tratasse com tanto carinho. Como podia tratar um verdadeiro estranho com tanto carinho?

Fiquei ali olhando para ela se afastar. Marquei o retorno e me vi pensando seriamente em visitar seu grupo.

Em busca de uma LuzOnde histórias criam vida. Descubra agora