Olhar Sombrio -Um conto de horror

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   A criança jazia na mesa de metal reluzente. Sangar pesou e cortou o coração, observando que a única alteração era o avançado estado de decomposição, similar a todos os outros órgãos e compatível com o estado geral do natimorto, uma situação que sugeria dois dias desde a morte na barriga da mãe até o parto que ocorreu de manhã no hospital. Quando viu a placenta estava evidente o problema, uma série de malformações no cordão umbilical que dificultariam o acesso ao oxigênio à medida que criança ficasse cada vez maior, algo difícil de ver nos exames, porém se a mãe tivesse sido orientada a ir para o hospital caso passasse mais de seis horas sem movimento do feto então ela teria seu bebê salvo atempo, orientação que deveria ser rotina em qualquer gestação.

  Era uma sexta-feira padrão, exceto pela série de reuniões da diretoria que deixava a chefia praticamente inacessível e atrasava as assinatura dos relatórios que Sangar enviava periodicamente. Era o penúltimo caso do dia feito pelo doutor e pela técnica de necrópsia Jael. No serviço público de saúde onde os recursos eram escassos mortes por causas naturais desconhecidas não faltavam. Ele gostava de trabalhar na área, menos pela chefia complicada e mais pelo maravilhamento da complexidade do corpo humano. Era um meio de se manter na área médica sem contato com pacientes ao mesmo tempo em que auxiliava a evitar novas mortes com suas estatísticas. Sangar era muito empático, se emocionava com facilidade e aquela carreira permitia não precisar lidar com as suas emoções e exercer sua paixão científica.

   Jael era sua dupla tradicional, extremamente comunicativa e que estava naquele emprego pelo impacto que causava na vida da pessoas. Ajudar no diagnóstico que auxiliaria o hospital e o governo a estruturar suas ações para ajudar as pessoas e deixar os cadáveres adequados para sua despedida final durante o enterro.

   Quando o último caso chegou os dois ficaram discutindo as possibilidades pelo prontuário. A mãe simplesmente tinha desmaiado na sala de espera do pronto socorro e entrou em trabalho departo. A criança estava morta e a mãe inconsciente, sem quaisquer outros dados.

   O cadáver em si pesava quase dois quilos e tinha como única peculiaridade externa dezenas de caroços por todo corpo com a mesma cor da pele. Não parecia ter morrido há mais de doze horas. Ao manipular o corpo mais cuidadosamente abriu a pálpebras d obebê que se revelaram vazias, sem olhos.

   Mil possibilidades passavam na cabeça dos dois, que juntaram os produtos de limpeza e colocaram camadas extras de proteção por todo o corpo pelo risco de ser algum microorganismo desconhecido, que poderia ter causado uma reação semelhante àalergia na pele e malformações. Cada nódulo poderia ser uma colônia de bactérias prestes a estourar, então a higiene precisaria ser impecável para evitar contaminação da sala.

   Assim que o bisturi abriu o primeiro nódulo, a dupla empalideceu ao observar um olho coberto de pele. O mesmo ocorreu com vários outros caroços. Sangar tentava elaborar teorias e pensava no trabalho de pesquisa que poderia publicar com aquilo. Até que o bisturi atravessou a pele e, no momento exato em que encostou no crânio, o som de vidro estourando ecoou.

   A lâmpada daquela sala e das próximas haviam estourado. Dava para ver pela janela da porta as luzes vermelhas de emergência ligadas no corredor. Ao retornarem seus olhos para ocorpo viram que todos os olhos extras da criança estavam se abrindo espontaneamente e ficando com a pupila em fenda.

   A dupla começou a andar para trás com o médico paralisado sendo puxado pela técnica. Os olhos em fenda foram sumindo um a um até romper o que parecia um grande verme do peito do bebê. Nesse instante os dois correram gritando para a sala ao lado. O médico largou seus instrumentos e trancou a porta já a técnica fez questão de selar as frestas com panos e fita adesiva.

   Pela janela de porta de necrópsia via-se o verme escuro com um brilho suave, uma serpente que parecia de piche, em posição de bote, com múltiplos olhos pelo corpo envolto em uma nuvem de azul fluorescente. A criatura serpenteava em direção a porta enquanto mais da estranha nuvem saía do peito da criança.

   O médico agradeceu a técnica e ficou de guarda em frente a porta enquanto ela buscava ajuda. Os telefones chiavam então ela foi buscar pessoalmente o segurança de uma entrada próxima, o qual, quando viu o pesadelo vivo que era a criatura, simplesment esaiu correndo para fora do hospital. Numa sala próxima a faxineira viu o caos e armou-se com sua vassoura e um aerosol de limpeza.

   Sangar tentava pensar, mas os terror percorria sua mente. Aquilo saía da lógica. Estava sem comunicação. Telefonar pelo celular era inútil com igual chiado aparecendo. Tinha que ter algo que pudesse usar como arma. Viu mais de uma vez a serpente se aproximando da porta, voltando para o corpo, entrando na cavidade, e retornando maior. Fez isso umas cinco vezes, já parecendo uma jiboia vinda do inferno naquele momento.

   Quando escutou a faxineira e a técnica atrás rezando, ao mesmo tempo em que estavam em posição de ataque Sangar respirou fundo e se concentrou no cântico das moças. Independente de suas crenças aquilo era uma poesia bela e desconforto. Limpando sua mente passou a observar mais atentamente a criatura e o que tinha em mãos. Sabia que tinha uma interferência eletromagnética que surgiu junto com o monstro. Vendo a nuvem percebeu que lembrava muito fogo-fátuo, ar ionizado com eletricidade. Vinda dos abismos infernais ou interestelares aquela criatura tinha uma correlação com eletromagnetismo.

   Seus pensamentos foram interrompidos com a criatura finalmente quebrando o vidro e se arremessando no chão. Vassouradas e jatos de detergente bloqueavam seu avanço mas pareciam só deixara criatura mais irritada sem causar dano real. Sangar então pegou o telefone da sala, quebrou o aparelho e arrancou os dois magnetos que ficavam dentro dele.

   Arremessou o primeiro magneto na criatura que passou a convulsionar. Com o segundo arremesso o ser simplesmente se liquefaz numa grande piscina escura.

   A também quebrou os alto-falantes do computador, correndo para colocar o novo magneto dentro do peito da criança. Uma clarão de luz roxa reverberou e lançou o médico no chão. Ao abrir os olhos viu o corpo da criança aberto, oco, seco, como se fosse uma mera casca e a piscina de gosma sumindo no processo.

   Com o perigo terminado era hora de acha rum jeito de avisar o resto do hospital do caso de forma a não parecerem loucos, sendo o primeiro alvo justamente os médicos que cuidavam da mãe da criança. No entanto, com a falta de luz toda unidade estava um caos e meia hora sem telefones funcionando só tinha piorado tudo. As equipes diziam que não queriam saber de qualquer doença nova e ao se depararem com o diretor receberam a ordem de deixarem qualquer aviso para a semana seguinte, se não seriam penalizados por causar pânico no hospital.

  Só restou a dupla agradecer o auxílio da faxineira e costurar a criança para o enterro, colocando os magnetos dentro do corpo para tentar evitar novos problemas. O diagnóstico ficou como de morte causada por múltiplas malformações.

   Aquele era o última caso do dia e Sangar só queria um bom descanso. Porém, fez questão de comprar, um esterilizador de ar por ionização, um equipamento usado normalmente para esterilizar pequenos cômodos e consultórios, a fim de deixar ligado no quarto naquela noite.

   Na manhã de sábado foi acordado pelo toque de celular com Jael mandando ligar a tv. O hospital havia explodido de madrugada e os bombeiros trabalhavam loucamente para deter o incêndio. As vítimas eram incalculáveis e toda a diretoria foi encontrada morta, aparentemente sufocada. O que mais surpreendia a imprensa era o fato de toda a diretoria estar reunida no meio da noite no hospital usando trajes que pareciam capas cerimoniais.

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