Sexta-feira à noite
- Chegou cedo hoje Beta – disse a súcubo recém saída do banheiro com uma toalha sobre o corpo nu e outra cobrindo parcialmente os seus cabelos roxos – Quer comer alguma coisa, querida?
- Não precisa Santie, eu já jantei no trabalho – respondeu Alberta tomando a toalha da cabeça da amiga quando cruzou por ela – O plantão foi puxado, preciso de um bom banho.
- Então vai lá que eu vou preparar um lanche gostoso pra gente. Não é porque a gente não precisa de comida que não se pode aproveitar os prazeres da vida.
Alberta riu da ironia enquanto tirava seu uniforme jogando sob a pilha de roupa suja. E pensar que diziam que era a demônio quem não sabia aproveitar os prazeres da vida. Enquanto a água caia sobre os cachos castanhos da vampira, Santoro colocava a travessa no forno. Ela tinha pegado a receita com o cozinheiro do bar, suas batatas com alecrim e orégano eram as mais famosas entre os amantes dos animais como sua amiga. Quando Alberta saiu do banho a mesa já estava posta e a travessa de batatas assadas ainda soltava fumaça devido ao calor.
- Alguma coisa pra matar a sede? – perguntou Santoro arqueando uma das sobrancelhas – Ou você nunca bebe... Vinho?
- Muito engraçada você, mas eu não sou o conde Drácula, pode descer uma brahma!
- É sério que você tá pedindo uma cerveja pra uma bartender, que sem graça.
- Tá bom, senhora pequenos prazeres da vida, faça o seu melhor.
A súcubo riu enquanto catava alguns limões e gelo na geladeira. Ela cuidadosamente cortou o limão em tiras colocando dentro da coqueteleira, adicionando em seguida também um pouco do gelo. Enquanto pegava o pote de açúcar, com seu rabo com a ponta de lança ela pegou também a garrafa de cachaça e habilmente tirou a tampa. Alberta se perguntou se ela também usava a cauda quando preparava drinks no bar, mas provavelmente a resposta era negativa. Depois de despejar cachaça e um pouco de açúcar, a demônio pegou a coqueteleira com o rabo mesmo e começou a agitar enquanto aproveitava as mãos livres para pegar dois copos. Com os copos nas mesas ela por fim serviu a bebida para as duas.
- Caipirinha né? Parece que os cariocas gostam muito disso – comentou a vampira dando um gole e aprovando a bebida.
- Me pedem a noite toda, já perdi a conta de quantas vezes já fiz essa porra – respondeu a bartender enquanto servia a batata em dois pratos menores. – Eu vou trabalhar logo mais, precisa de alguma coisa da rua?
- Não, tá tudo bem. Eu tava até pensando em dar uma saidinha hoje
- Esse é o espírito amiga!
Alberta caminhou meio sem rumo pela noite, usava um vestido verde com uma tiara de flores, mais parecendo uma árvore. Quando saia toda maquiada, a jovem negra se parecia com uma ninfa bem mais do que com uma criatura das trevas, e no fundo de fato ela era, apesar de ser uma ninfa que se alimentava de sangue. Mesmo não consumindo nada de carne ou que tivesse origem no sofrimento, ela reservava a sua ira assassina para homens maliciosos o suficiente para mexer com uma garota inocente na rua, dando-lhes sustos tão grande que por vezes os faziam questionar a própria sanidade. Suas andanças a levaram a um pequeno bar que tocava um samba ao vivo. Fazia tempo que ela não flertava com ninguém e definitivamente era seu tipo de música.
Logo entrou correu os olhos procurando por alguém que a interessasse. Não foi difícil achar diversas pessoas, agora a questão era saber se estavam disponíveis. Seus olhos felinos buscaram por qualquer mínimo detalhe, a proximidade entre duas pessoas, marcas de anéis, uma troca de olhares, celulares vibrando freneticamente. Seria uma boa noite de caça, disso ela tinha total certeza. Enquanto dançava na pista ela travou os olhos em uma mulher de cabelo rosa também sozinha. Ela tinha um estilo meio nerdzinha e alternativa que foi a combinação perfeita para atrair Alberta. Ela se aproximou dançando assim que conseguiu o contato visual dando um sorriso provocador quando se aproximou o suficiente de seu alvo.
- Oi, tudo bem! – disse por entre a música depois de um tempo que as duas já dançavam juntas. – Quer beber alguma coisa?
- Claro, por que não? – respondeu a moça com um sorriso enquanto pegava a vampira pela mão e a conduzia até o bar.
Santoro estava embalada pelo ritmo de Martinho da Vila enquanto fazia os pedidos de seus clientes. Muitos faziam questão de esperar ela estar disponível para pedir seus drinks porque era incrível a velocidade a habilidade que a mulher demonstrava no preparo das bebidas, era como se fosse uma obra de arte. A demônio estava prestes a tirar seu intervalo quando os cachos castanhos de Alberta capturaram a sua atenção. Ela deu um sorriso quando a viu sentando-se junto a mesa do bar com uma mulher de cabelo rosa.
- Tá vendo aquele casal ali? As três primeiras doses são por minha conta, Bruce – disse chamando o outro bartender com uma cutucada antes de ir para seu descanso na cozinha.
A vampira ria do papo que se desenrolava com a menina de cabelos algodão doce. Por algum motivo que ela não entendeu direito, as três primeiras rodadas foram cortesia, o que com certeza ajudou e muito no andamento da conversa. A menina disse que se chamava Katrina, como o furacão, e por isso fazia o que lhe dava na telha, quando dava na telha e depois simplesmente seguia seu rumo. Alberta ficava cada vez mais fascinada por ela, mal escondendo seu interesse enquanto brincava com um de seus cachinhos ouvindo-a atentamente tagarelar sobre k-pop e Nintendo.
- ... então como eu estava dizendo, você realmente precisa jogar Animal Crossing, tem tudo a ver com você! – concluiu Katrina fazendo uma pausa para beber um pouco de vinho.
- Mas sobre o que é sobre esse jogo afinal? – questionou a vampira sem entender como um jogo com viagem no tempo, animais, pescaria e tudo mais fosse uma coisa só.
- Então, é sobre... – Katrina gesticulava de uma maneira absurda tentando se fazer entender com gestos e sons indistintos, durou quase dois minutos antes de ela desistir. – Ah, joga que você vai entender. É muito bom!
- Pena que não tenho um switch... – disse fazendo um biquinho, esperando que a mulher notasse sua indireta.
- Você pode aparecer lá em casa pra jogar comigo qualquer dia, Alberta. Anota aí meu número.
Santoro voltou do intervalo depois de meia hora e viu que as duas continuavam a toda na sua conversa. Ao que parecia a amiga tomava uma cerveja atrás da outra enquanto sua acompanhante variava bebidas e drinks. "Essa tem fígado forte!" pensou a demônio enquanto liberava Bruce para o descanso e assumia as duas pombinhas. Quando chegou com o próximo pedido, o olhar de surpresa de Beta com toda a certeza fez valer as rodadas que ela pagou.
- Se quisesse carona eu dava, Beta – brincou entregando o pedido e deu uma piscada para a menina de cabelos rosas antes de sair. Aquelas duas estavam transbordando de energia sexual, só o fato de estar no ambiente já era um banquete para a demônio.
- Beta é um apelido bonito – disse Katrina rindo do rubor na face da vampira.
- Meus amigos me chamam de Beta.
- Então, Beta, como você conheceu a bartender muçulmana sexy?
- A gente mora junta – disse com naturalidade antes de notar pela expressão da mulher que talvez tivesse sido mal interpretada. – Melhores amigas, não casal!
- Ah bom, então quer dizer que você ainda está disponível?
- Pra hoje à noite estou e você?
- Está me chamando pra sair? Se for isso a gente pode ir lá em casa jogar Animal Crossing
- Eu adoraria... Jogar, é claro.
Alberta e Katrina pagaram a conta e logo se despediram de Santoro. Parece que as duas tinham conseguido jantar no trabalho naquela noite. A demônio fez todo um discurso de não-faça-nada-que-eu-não-faria e apesar da mortal ter levado na brincadeira, Alberta sabia que tinha uma diferença de idade e experiência absurdas entre ela e amiga. E claro, ela não estava falando de sexo, estava falando para a vampira tomar cuidado com seus instintos mais primitivos e sanguinários, seria uma pena ter que se mudar de uma cidade tão interessante por uma exposição descuidada numa sexta-feira a noite.
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Santoro e Alberta
Short StorySantoro e Alberta são duas jovens adultas que dividem um apartamento no subúrbio do Rio de Janeiro. Para os vizinhos elas parecem um casal de lésbicas que tentam ser discretas, apesar de usarem um visual bem extravagante, para os colegas de trabalho...