Episódio 3 (parte I)

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Visita surpresa

A campainha tocou insistente fazendo Santoro deixar de lado sua série na Netflix. Quase gritou para Alberta abrir a porta, mas a amiga estava de plantão e disse que provavelmente iria passar na casa de Katrina depois para fazer alguma coisa. A relação das duas parecia estar indo muito bem e contanto que não prejudicasse o acordo das duas amigas, a demônio apoiava com tudo, ainda mais porque visitas de Katrina significavam uma deliciosa refeição, apesar do inconveniente de esconder o chifre e o rabo. A figura que ela viu pelo olho mágico quase a fez pular para trás de susto, usava um boné cobrindo os cabelos cacheados e no rosto tinha uma porção de piercings. Com uma camiseta de banda meio gasta por baixo de uma flanela vermelha, era bem o tipo da sua amiga vampira. Não fosse pela sua pele levemente azulada, quase iria pensar que se tratava de mais de uma das namoradinhas da amiga.

- Alexey? – perguntou atônita ao abrir a porta. – Você está... Diferente

- Tá achando que é o único cordeirinho celeste da família irmãzona? – a pele da mais nova era bem diferente da avermelhada, mas qualquer um veria a semelhança em seus rostos. – O porteiro me deixou subir, eu disse que era sua irmã mais nova

- Bom... O que você tá fazendo aqui?

- Vim matar saudade da minha irmã preferida?

- A Vanessa tá na Espanha, errou um pouquinho de direção

- Besta! É óbvio que é você – disse se jogando no sofá de qualquer jeito. – Sabe, as coisas ficaram um inferno lá no inferno depois que vocês mais velhas vieram pra terra.

Santoro se preocupou com a mudança repentina na expressão de Alexey, ela foi de uma despreocupação e deboche a uma ressentimento e vergonha enormes. Ela sabia que sentimento era aquele, foi o mesmo que exibia em sua face quando deixou o inferno para viver com sua melhor amiga, o sentimento de uma pessoa que foi renegada e abandonada por todos que ela confiava e amava. O inferno poderia até ser um lugar de traições, falsidade e brigas constantes por poder, mas principalmente entre os de sua raça havia um certo amor e apreço pela família. Ou pelo menos era esperado que tivesse. A súcubo se sentou ao lado da mais nova fitando por um longo momento, antes de a envolver em um abraço apertado. Sentiu as lágrimas quentes em seu peito, e manteve o abraço até elas cessarem. Alexey ainda a fitava com olhos molhados.

- O que eles fizeram dessa vez, querido? – perguntou preocupada tirando o boné para afagar os cabelos escuros do irmão.

- Eles continuam falando de você lá, sabe? Eu não tava aguentando mais engolir tanto sapo – disse fazendo uma careta de dor repentinamente. – Eu parti pra cima e quebrou – o black de Alexey foi diminuindo até se tornar um corte de máquina 0, depois voltando a se alongar agora como dreads que caiam por sua blusa.

- E você não... – disse preocupada encarando a cena, os chifres de Alexey sempre foram maiores, um deles ainda exibia toda sua glória se enrolando em torno de si mesmo o de um carneiro. O outro estava quebrado, partido perto de sua base com marcas irregulares na fenda.

- Não, eu não consigo fazer crescer de novo

- Quer passar a noite aqui?

- Eu adoraria

Alexey foi tomar um banho enquanto Santoro decidiu fazer um chá para descansar. Os irmãos passaram um bom tempo aproveitando a companhia um do outro quando um cheiro familiar tomou conta do ambiente antes de ouvirem o barulho da chave na porta. A aparência do incubo mudou novamente, assumindo uma mais velha e elegante, mas ainda conservando parte de sua estética alternativa. Escondeu melhor os chifres por entre os dreads e Santoro correu para botar seu hijab pouco antes da porta abrir com uma Alberta que tentou disfarçar o olhar de desconfiada que trazia uma Katrina de tiracolo. "Ótimo dia para trazer a crush em casa, agora são dois deles!" pensou Beta antes de entrar.

- Oi Santoro, lembra de mim? – disse Katrina alheia a troca de olhares frenéticas entre as duas amigas. – Eu não sabia que você tinha um namorado!

- Irmão, na verdade – se adiantou Alexey cumprimentando-a com um hi-five – Pode me chamar de Alex.

- Eu fiz chá? Vocês aceitam? – disse por fim Santoro mudando a expressão e dando mais uma olhada para Alberta.

- Nós adoraríamos, pode me ajudar a pegar as xícaras, Alex? – perguntou a vampira também com uma expressão um pouco mais aliviada.

Enquanto essa conversa ocorreu, Alberta e Santoro travaram uma conversa quase que telepaticamente. Por que tem outro demônio aqui? E justo hoje?  foi a primeira mensagem passada pela vampira. Você também não disse que ia trazer sua humana pra casa eu te disse pra ter cuidado com ela, você tá se apegando rebateu a súcubo. Bom, tá bom mas eu juro que ela não sabe de nada. Bem, ele tá precisando de um lugar pra ficar... Agora esse incubo tarado tá dando em cima da minha namorada? pensou com uma fagulha de ciúmes. Ele quer as duas na verdade, mas encarou você como mais difícil. Ah, no sonho dele!  pensou Beta com um alívio no rosto. Você devia conversar com ele, eu mantenho sua humana ocupada.

Na cozinha a vampira deu uma encarada demorada no demônio. Ele realmente tinha seu charme e era bem bonito... Se ela não entendesse a armadilha que era o encantamento de um incubo provavelmente acabaria toda derretida por ele e não tinha autocontrole que salvasse, tudo em seu corpo e em sua aura, especialmente agora com eles sozinhos parecia ter sido feito para provocar ela.

- Dá pra você parar com isso? – reclamou irritada enquanto pegava o jogo de xícaras e colocava em um bandeja. – O açúcar, por favor

- Parar com o que, doce... – o demônio ofereceu o açúcar ainda tentando atiçar ela.

- Alberta. E você ao menos sabe o que eu sou? – disse tentando ser ríspida, mas sua voz saiu um tanto quanto vacilante.

- Uma mulher forte e independente que ama a natureza e os animais? – sugeriu servindo o chá em cada uma das xícaras.

- Não – disse exibindo sua fúria homicida e as presas por alguns segundos tentando assusta-lo, mas conseguiu encarar apenas um sorriso. – Como...

- Parece que eu estava certo afinal, não devemos deixar elas esperando...

- Qual o seu problema! Tá querendo conseguir um ménage fácil? – disse ela irritada com toda a situação, com medo de talvez sua voz alterada ter saído um pouco mais alto do que deveria.

- Oh, você sabe que isso é um pouco racista, né? Conhecendo minha irmã deveria saber que nem todos nós somos desse tipo

- Você não parece assexual pra mim

- Não sou mesmo não, Alberta – disse se aproximando o suficiente para não se tornar desconfortável. – Mas eu não uso meus talentos pra conseguir sexo, eu prefiro usar pra flertar. Se te incomoda, posso parar...

Alberta viu diante de si um adolescente com tranças, bastante piercings e um chifre quebrado, essa forma definitivamente não era nem um pouco apelativa para ela que não tinha nem um interesse em menores de idade, mas ainda assim era uma forma que ele se sentia confortável em usar no dia a dia. Afinal, o pequeno demônio era inofensivo, mas Katrina já tinha visto a versão Casanova, aparecer com um moleque iria chamar muita atenção.

- Se passar dos limites, eu vou puxar seu rabo. Vamos – disse ela com um sorriso logo retribuído por Alexey voltando a sua forma apelativa.

No entanto, chegando na sala os dois deram de cara com a porta aberta e uma Santoro boquiaberta segurando um embrulho com o rabo a poucos centímetros do chão, aparentemente pego pouco antes de cair. Alberta pareceu não entender muito bem a situação, até notar que Katrina não estava lá e o rabo da amiga estava bem exposto.

- Merda... – murmurou antes de sair correndo pela porta aberta.

Santoro e AlbertaOnde histórias criam vida. Descubra agora