Eles chegaram perto da hora do almoço, imperceptíveis. Foi quando um deles soltou um grunhido alto, como se dissesse "matem todos!", e assim criou três segundos de silêncio na mente do povo do orfanato. Depois desses três segundos o pânico veio e todos começaram a correr em disparada para nenhum lugar em especial, já que ninguém sabia exatamente o que fazer em um momento como aquele.
O padre Rúbio se ajoelhou no pátio e começou a orar, afirmou em alto e bom tom que todos se encontrariam na próxima vida, e que aquela seria melhor. Que se aquele era o fim, que se assim fosse. Que estava tudo bem chorar e correr, já que o medo era amigo de todos, mas que lembrassem que logo estariam junto a deus.
E assim a chacina começou.
Inconvenientemente atrapalhando o horário do almoço.
Foi a primeira coisa que Canopus pensou: no cheiro de frango assado e em sua barriga roncando. Depois disso ela começou a ir para o quarto e pegou os lençóis tanto dela quanto de sua colega de quarto, Garcia. Estendeu os lençóis sobre sua cama e fez com que eles cobrissem a parte de baixo desta, Canopus pegou seus pertences mais preciosos, basicamente sua camisola e "seu" livro e foi para debaixo da cama.
Agora era só esperar e ver os frutos daquela sua marmota.
Horas e horas se passaram e a pequena Canopus permaneceu imóvel ali em baixo, respirando da poeira e se encolhendo com as sombras que andavam pela frente da janela. Podia ouvir claramente gritos de horror e de dor, pedaços de corpos sendo rasgados e logo mastigados, ossos quebrando entre os dentes colossais das coisas. Só podia imaginar o cenário de guerra quando saísse, se saísse. Olhos abertos encarando o céu, mas sem piscar, peles manchadas de sangue, restos de músculos e ossos para fora. Nada muito atrante.
E o cheiro. Céus, o cheiro das coisas era nojento, e pior ainda era o cheiro de corpo dilacerado.
Canopus prendeu a respiração quando ouviu algo bater contra sua porta. E de novo e de novo. Enfim a porta foi quebrada, a maçaneta de ferro batendo contra o chão. Ouviu as tábuas de madeira rangendo sob a coisa. E essa coisa andava em direção à janela, ofegando e gorducha depois de sua farta e deliciosa refeição. Canopus viu a figura da coisa além do lençol branco, viu-a ir até a janela e se acomodar ali, como se apreciasse a paisagem e estivesse pronta para uma soneca.
E assim foram minutos de puro desespero.
Canopus respirou fundo não uma, mas incontáveis vezes, tomando coragem para espiar a coisa a menos de cinco metros de onde estava escondida. Encostando o rosto no chão empoeirado, engolindo saliva para não espirrar, a menina ergueu a barra do lençol e viu a coisa. A coisa era sim indescritível, o ser mortífero que apreciava carne, seja carne dura de búfalo até as mais macias carnes de bebezinhos. Mas havia algo belo em observá-lo adormecido, porque naquele momento poderia ser facilmente assassinado.
Isso se Canopus possuísse uma faca. O que ela não tinha, então a melhor escolha era fugir dali o mais rápido possível, antes que a coisa acordasse.
Foi para o outro lado da cama, o lado oposto ao que a coisa estava. Se arrastou suavemente sobre a madeira, olhando para seu caminho e para a coisa, e de novo para o caminho, e novamente para a coisa. O coração chutando suas costelas de tanto nervosismo. Saiu de debaixo da cama, olhou para os dois lados do corredor e depois para o que a janela do quarto lhe permitia ver.
Nenhuma coisa à vista.
Canopus foi lentamente para o corredor, sempre virando sua cabeça para os lados, todavia seu corpo ainda não chegara a tremer. Tremeria depois que a situação sufocante passasse, naquele momento ela não poderia se dar ao luxo de ficar desesperada. Desespero atrapalha o raciocínio. Encontrou três coisas no jardim do orfanato, e mais um na entrada. Todos adormecidos, seus peitos subindo e descendo, respirando igual aos humanos.
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O Reino de Fogo
FantasyMonstruosidades tomavam o mundo dos homens. Invadiam suas cidades, tomavam seus lares e se alimentavam de seus parentes. Se sabia nada sobre elas, apenas que vieram do norte com uma fome enorme. Canopus infelizmente teve seu lar tomado por tais fera...