Capítulo I - A menina que brincava com fogo

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Ninguém sabe ao certo como ou quando o homem descobriu o fogo, a ciência especula que tenha sido através de fenômenos da própria natureza. Os mitos e crenças contam que foi por intervenção divina, como a história de Prometeu, aquele que roubou da Deusa Héstia a chama ardente que queimava no Olimpo e entregou a humanidade. Ato esse que o levou a desgraça, sendo condenado a ser acorrentando, enquanto uma enorme ave devora suas entranhas, e no dia seguinte ele é curado para seu ciclo de tormenta se renove por toda a eternidade.

O ano é 2025, a humanidade alcançava seu maior ápice tecnológico, e a sociedade nunca foi tão dependente e simbiótica da mesma. O ar jamais foi tão poluído, as florestas nunca se parecerão tanto com desertos, o mar já não era mais um lar seguro para os seres que nele habitavam. Mas para o homem, sua soberania no topo da cadeia alimentar lhe tornava tão orgulhoso e soberbo que seus olhos se vendavam para a verdade mais cruel, sua estadia de 10 mil anos foi a mais perversa e devastadora de toda a história do planeta Terra.

Um hóspede que foi aceito de braços abertos, mas que simplesmente ateou fogo naqueles que lhe deram abrigo. Um dia, só mais um dia como qualquer outro, o céu se apagou. Toda e qualquer chama que aquecia ou iluminava através de todo globo terrestre, simplesmente desapareceu. Da mesma forma que a ciência ou o misticismo tentou por séculos explicar como o fogo chegou até nós, no fim, também não souberam explicar como nós o perdemos. 

Cem anos se passaram, o sol só brilha durante pouquíssimas horas, tornando os dias extremamente curtos e as noites longas e densas, a terra é fria e devastada, como se tivesse mergulhado nas trevas, poucos seres vivos ainda sobrevivem neste novo ambiente hostil, enquanto a humanidade retrocedeu décadas, talvez até séculos. Tudo que um dia dependia do fogo para alguma coisa, nem que seja o mínimo de combustão, hoje foi devorado pelo tempo. As cidades não passam de destroços, meras lembranças do que um dia foi a sociedade sapiens, por onde se olha agora apenas se vê trevas, pois a escuridão nada mais é do que a ausência da luz. 

Estamos em 2125, algo entre  julho e agosto, não é possível saber ao certo, afinal de contas não faz mais diferença, contabilizar o tempo se tornou um mero resquício do desejo humano, na esperança de ter ainda algum controle sobre as coisas. Mas isso ficou pra trás, agora tudo depende de uma única coisa, sobrevivência.

É dia, ou talvez algo que se pareça com isso, uma mulher tenta encontrar em meio a uma pilha de lixo algo proveitoso para fazer uma refeição no mínimo nutritiva, a qual não lhe cause vômitos ou uma forte disenteria, seu nome é Alice.

- Essa merda parece que não vai levar a lugar nenhum. Diz ela enquanto vasculha aquele amontoado de lixo.

- Alice! Já terminou aí? Só temos mais 45 minutos de luz do Sol! Berra Felipe, seu parceiro de pilhagem.

- Calma aí! Estou sentindo que vai sair algo bom daqui! Segura a onda aí!

De fato está ficando tarde, os dias não duram mais do que 3 horas enquanto as noites são longas e gélidas, os segundos são preciosos, cada minuto perdido pode ser fatal. As nuvens no céu são densas e acinzentadas, como uma ameaça de tempestade constante, a qual as vezes acontece ocasionalmente, de forma avassaladora e impiedosa, a natureza nunca foi tão implacável.

O chão é frio, alguns lugares que outrora eram repletos de luz e calor escaldante, hoje não passam de uma paisagem branca e gelada, as vezes até inóspita, onde a vida simplesmente foi varrida como se nunca tivesse sequer existido ali.

- Merda Alice! Temos que ir! Está ficando frio pra caralho aqui!

- Espera! Achei uma latinha de sardinha! Diz ela erguendo a lata como um troféu olímpico.

A última chamaOnde histórias criam vida. Descubra agora