1. Um dia frio em São Bento

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Dentro da floresta escura, existe um lugar onde não existe dor, fome ou qualquer tipo de tristeza, um lugar onde tudo é possível.

Kara ouvia essas histórias quando pequena, sempre esperando que fossem reais. Na sua pobre vila, histórias e fábulas sobre a floresta escura eram como tochas em uma noite sem lua, cada um possuía a sua e tentava compartilhar para os outros. A maioria delas eram pelos caçadores sempre horripilantes, falavam de feras horrendas que devoravam suas presas das mais absurdas maneiras. Para prevenir que as crianças fossem para a floresta sozinhas.

Mas a história da terra dos elfos era a favorita da jovem garota. Acreditar em um lugar belo, onde nada de ruim poderia te acontecer melhorava muito o sono de uma pobre garota que tinha medo do escuro. Ela sonhava com cachoeiras coloridas, árvores com frutos que eram mais deliciosos do que qualquer doce já feito e seres tão belos que trazem felicidade só de olhar. Para uma criança aquilo era tudo em sua vida, um escape da realidade brutal.

Eu sei que Mimongard existe e um dia eu irei encontrá-lo.

Aquela era sua promessa infantil, o sonho infantil que a enchia de esperança a cada dia que passava. Só que tudo isso mudou quando ela viu o corpo da mãe e de outras várias mulheres sendo queimados no meio da praça pública em frente a igreja. Por causa de uma praga que contaminou todas as mulheres adultas da sua cidade, naquele dia percebeu que nenhuma daquelas lendas eram reais. A praga foi real, sua tristeza era real, mas nenhum dos seus sonhos foi, nenhuma fantasia salvou sua mãe daquela doença, nenhuma mágica a curou.

Desde então, mitos, lendas e superstições eram iguais as estrelas no céu noturno, bonitas e curiosas, nada além disso.  Qualquer verdade por trás delas era irrelevante. Não podia se dar ao luxo de procurar por cachoeiras mágicas ou temer lendas populares. Precisava se manter focada, principalmente por causa do cervo que estava a sua frente, quase à distância perfeita para que conseguisse acertá-lo. Ele caminhava com toda paciência e graciosidade do mundo, sem perceber a presença da caçadora, por baixo do manto cinza que a misturava com a neve. Seus braços ardiam ao manter o rifle inclinado e sua mão sentia o frio do gatilho metálico com ansiedade, lutando para manter a respiração devagar enquanto o animal se aproximava, minutos que pareciam horas se passaram até ele ficar na posição exata, inocente e feliz por ter achado uma fruta caída por entre as raízes, ele abaixou a cabeça para comê-la e... bang.

O estampido ecoou pela floresta e vários pássaros voaram em algum lugar ali perto, mas o cervo não pôde fazer nada, a bala voou direto em sua cabeça antes mesmo dele perceber alguma coisa. Uma morte misericordiosa para o bicho e agradável para ela, já que daquele jeito a carne não ficaria ruim. A tensão da caçada deixou os seus ombros e enfim pôde respirar com alívio. Com aquele cervo tinha carne para duas semanas e ainda poderia ganhar algumas moedas com a pele. Kara não perdeu tempo e fez os preparativos ali mesmo, separando as pele, chifres e carne. Com o trabalho finalizado colocou tudo no trenó e seguiu de volta a vila.

A caçadora seguia feliz enquanto puxava o trenó com as partes de sua caça. Não tinha pegado nada fazia duas semanas e com a chegada do inverno os animais se tornaram mais difíceis de encontrar. Enquanto seguia pela estrada o vento frio batia em seu rosto enquanto a neve afundava sob seus pés a corda do trenó ardia em suas mãos e sua coluna reclamava de dor, mas ela estava feliz por ter o que comer.

A medida que se aproximava da vila a torre do sino da igreja São Bento de se erguia imponente sob o céu nublado do inverno. Uma estrutura alta e alva como a neve que caía sobre ela era o vislumbre que ela estava chegando na sua vila. A humilde São Bento com suas casas pequenas de tijolos e várias chaminés que levavam fumaça para cima, estas que foram construídas em volta da igreja deixando a cidade em um formato circular, com a praça da igreja no meio e uma imensa floresta ao redor, composta de pinheiros, Ciprestes, Sobreiros e principalmente os teixos negros.

O MISTÉRIO DA FLORESTA ESCURAOnde histórias criam vida. Descubra agora