XXVI - Um membro da sociedade hortícola

20 3 0
                                    

Rosa, perturbada, quase louca de alegria e de receio, com a ideia de que achara enfim a tulipa negra, encaminhou-se para a hospedaria do Cisne branco, seguida sempre pelo seu barqueiro, robusto filho da Frísia, capaz de devorar só à sua parte dez Boxtels.

Durante o percurso, o barqueiro ficara ciente de tudo e não recuava diante da luta, no caso de ser necessário recorrer a este meio violento; somente, se isto acontecesse, tinha ordem de poupar a tulipa.

Tendo, porém, chegado ao Groote Markt, Rosa parou de repente; um pensamento súbito acabava de lhe passar pela mente, à semelhança dessa Minerva de Homero, que agarrou Aquiles pelos cabelos, no momento em que a cólera ia apoderar-se dele.

— Meu Deus! — murmurou ela — cometo um erro enorme, perdi talvez Cornélio, a tulipa, e a mim própria!... Dei o rebate, excitei suspeitas. Não sou mais do que uma mulher, esses homens podem ligar-se contra mim e então estou perdida... Oh! O ficar eu perdida não seria nada, mas Cornélio, mas a tulipa!

E recolheu-se por um momento em espírito.

Depois disse:

— Se vou a casa desse Boxtel, e o não conheço, se esse Boxtel não é o tal Jacob, se é outro horticultor curioso, que também descobriu a tulipa negra, ou se a minha tulipa foi roubada por outro que não é aquele que eu suponho, ou já passou a outras mãos, se não reconheço o homem, mas somente a tulipa, como provarei que ela é minha? Por outro lado, se reconheço esse Boxtel pelo falso Jacob, quem sabe o que ele fará? Enquanto nós altercarmos um com o outro, a tulipa morrerá. Oh! inspirai-me, Santa Virgem! Trata-se da sorte da minha vida, trata-se do pobre encarcerado, que talvez neste momento esteja expirando.

Feita esta oração, Rosa esperou piedosamente a inspiração que pedia ao céu.

Entretanto, um grande burburinho sussurrava lá no fim do Groote Markt.

O povo corria, as portas abriam-se; somente Rosa era insensível a todo este movimento da população.

— É preciso — murmurou ela — voltar a casa do presidente.

— Pois voltemos — disse o barqueiro.

E tomaram pela travessa da Palha, indo direitos a casa de Van Herysen, que continuava a escrever com a sua letra mais apurada, e com a sua melhor pena, o competente relatório.

Por toda a parte por onde passava, Rosa não ouvia falar senão na tulipa negra e no prémio dos cem mil florins; a notícia corria já por toda a cidade.

Rosa teve bastante dificuldade em entrar de novo em casa de Van Herysen, que todavia se sentiu comovido, como da primeira vez, à palavra mágica da tulipa negra.

Quando reconheceu porém, Rosa, que lá de si para si reputara uma louca, ou pior do que isso, sentiu-se tomado de violenta cólera e quis mandá-la embora.

Mas a jovem ergueu as mãos, e com essa expressão de honesta verdade que penetra nos corações, disse-lhe:

— Pelo amor de Deus, senhor, não me mande embora! Ouça, pelo contrário, o que lhe vou dizer e se não pode conseguir que se me faça justiça, ao menos não terá de se arrepender um dia, na presença de Deus, de ter sido cúmplice de uma ação má.

Van Herysen batia com os pés com grande impaciência.

Era a segunda vez que Rosa o vinha interromper no meio de uma redação, em que punha o seu duplo amor próprio de burgomestre e de presidente da sociedade hortícola.

— Mas o meu relatório! — exclamou ele — o meu relatório acerca da tulipa negra!

— Senhor — prosseguiu Rosa, com a firmeza da inocência e da verdade — senhor, o seu relatório acerca da tulipa negra basear-se-á, se me não quiser ouvir, em fatos criminosos e falsos. Peço-lhe encarecidamente que mande comparecer aqui, diante de si e de mim, esse Boxtel, que eu suspeito ser o mesmo Jacob, e tomo a Deus por testemunha de que o deixarei na posse da sua tulipa se não a reconhecer nem o proprietário.

A Tulipa Negra (1850)Onde histórias criam vida. Descubra agora