Baile do Dragão

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Mãos geladas, que mais pareciam mármore, me guiavam pelo longo corredor ricamente adornado. As mais belas obras de artes e antiguidades decoravam o longo caminho, mas nenhuma daquelas belezas me chamava a atenção e conseguia desviar o meu pensamento para o que me aguardava atrás da porta de madeira maciça no final do corredor. As portas se abriram lentamente, a expectativa e o medo brigavam dentro de mim, as mãos em volta do meu braço intensificaram o aperto quando instintivamente dei um passo para trás.

O salão era tão ricamente adornado quanto o corredor que levava até ele, sem dúvida ali estava o melhor do estilo gótico tanto na arquitetura quanto na decoração. Quadros enormes com molduras douradas preenchiam as paredes. Estátuas de mármore e gesso disputavam o espaço pelo salão com antigas armaduras vazias e pessoas com suas roupas de gala e copos na mão. Demorei um pouco para entender que tinha sido arrastada para um baile. Mas tinha certeza que dançar era a última coisa que o meu captor iria querer comigo.

Eu fui arrastada sem piedade salão a dentro, a todo momento olhava em volta em busca de alguém ou alguma coisa que poderia me salvar daquilo, sabe... um pouco de ajuda sempre vem a calhar quando se tem certeza que está sendo arrastada para a morte. Mas nada, nenhuma ajuda, nenhum olhar conhecido na multidão, apenas sorrisos desdenhosos e alguns olhares surpresos. Estava tão absorta olhando a multidão que nem notei quando saímos da área do baile até uma sala menor com um enorme trono no meio dela. Não sei se foi o barulho de uma pesada porta de ferro se fechando ou se foi a dor fina que atingiu o meu joelho assim que ele bateu no chão quando a minha escolta me largou como um saco de batatas em frente ao trono me fazendo cair no chão. Virei-me irritada, se fosse em outra situação, essa queda não ficaria barata. Mas fiz questão que eles vissem a insatisfação em meu rosto.

- Ora, ora, ora... o que temos aqui! - Tinha esquecido como apesar de grossa e até um pouco rouca, a voz dele conseguia ser melodiosa. Quando ele falava, parecia mais que estava cantando. E pela forma lenta e ameaçadora com que falou, aquela era a canção da minha morte. - Espero que saiba por que está aqui, querida!

- Não, não... não faço ideia, Milord. - O medo é evidente em minha voz. O medo de morrer gritava dentro de mim e sufocava as minhas palavras. Eu esperava que ele acreditasse que eu realmente não sabia o porquê de está ali. Mas no fundo. Eu realmente não sabia o real motivo de ter sido arrastada até ali, bom... eu até tinha uma ideia, mas sinceramente esperava que não fosse por isso.- Eu não tenho ideia do porque fui arrastada aqui pra baixo.

- Não minta pra mim querida! - A raiva crescente na voz dele me fez recuar. Eu realmente estava encrencada. - Você está aqui por que foi insolente e tentou roubar algo que é meu.

- Não sei do que está falando senhor. - Tá bom, talvez eu soubesse. Mas a súplica na minha voz era sincera. Eu realmente estava com medo e a ponto de suplicar por minha vida. - Por favor milord, tem que acreditar em mim... nunca peguei nada seu.


A gargalhada dele ecoou pelo salão e se eu tinha dúvidas que nunca mais sairia daquele castelo, ela foi sanada agora. Oh céus, eu precisava escapar dessa enrascada. Não só por mim, mas por todo o reino. Não queria nem pensar o que iria acontecer se ele descobrisse que foi enganado e traído por todos que o cercam.

- NÃO MINTA PRA MIM! VOCÊ VIU A CHAVE, SABIA ONDE ELA ERA GUARDADA!


   A voz grossa ecoou pelo cômodo como um rugido, fazendo o meu corpo tremer por inteiro, podia ver os olhos dele queimando de puro ódio, com um brilho vermelho e dourado, como se o ouro tivesse derretido no calor de sua ira. A chave, que estava escondida dentro do decote de meu vestido, pareceu ficar mais gelada contra a minha pele. Como se soubesse que seu dono estava perto. Espero que você me entenda, não posso dizer que sou inocente, mas eu tive um bom motivo para cometer essa loucura. É, isso mesmo, loucura... Agora que estou encurralada sendo obrigada a encarar a minha vítima, e meu futuro algoz, me parece loucura (ou burrice) achar que sairia vitoriosa de uma tentativa de furto ao Mestre do reino. Mas não me julgue ainda. Talvez você tivesse tomado a mesma decisão se estivesse no meu lugar. 

O toque frio me trouxe de volta a realidade. Mãos tateavam o meu corpo buscando o fruto do roubo. Se eu tivesse alguma noção eu teria me rendido, mas você sabe, a esperança é a última que morre. E eu ainda tinha esperança de sair ilesa disso tudo. Pra você vê, que além de burra eu sou iludida. 

- Senhor, não há nenhuma razão para gritar! - O terror na minha voz era tão palpável que os guardas podiam revista-lo também. - Eu vi a chave, mas não roubei!

Você viu a chave e a roubou! NÃO MINTA PRA MIM! - Não sei o que me deixou mais chocada, o grito dele que acabou virando um rugido ou a mão gelada que invadiu o meu decote e puxou a corrente fina que prendia a chave. - Vejam só, o que temos aqui?

O sorriso triunfante dele fez o meu sangue gelar. Minhas pernas tremeram e, mais uma vez, eu cai de joelhos, me arrastei até os seus pés e implorei pela minha vida. Não tinha mais nada que eu pudesse fazer.  

- Por favor senhor, eu me rendo, eu me rendo. - Lagrimas rolavam pelo meu rosto, eu estava desesperada. Tinha sido descoberta, não tinha como me livrar. Eu roubei a chave da sala de tesouros do homem mais poderoso do reino, e agora, ele sabia disso. - Piedade Senhor. Eu lhe imploro. Eu só peguei a chave, mas não entrei na sala. Eu só queria um pouco de ouro. Seu povo tem fome e sede. Muitos não tem resistido ao inverno que tomou conta do reino desde sua chegada. Eu só queria um pouco de ouro para comprar grãos para todos em outro reino.

- CALE-SE! 

- Por favor senhor, misericórdia!  Eu me rendo senhor. Por favor, não me mate! por favor... eu, eu lhe imploro. Tenha misericórdia, me deixe ir! Por favor senhor, me deixe ir. Eu vou embora do seu reino, nunca mais volto. Piedade por favor. Pegue tudo o que eu tenho, mas me deixe ir.

- Você não vai a lugar nenhum.  - A frieza na sua voz me assustou muito mais do que os seus gritos ou a ira que ele irradiava no inicio. Ele tinha um olhar  decidido, como se já tivesse traçado o meu destino. E não estava parecendo que seria um destino rápido ou indolor como, no fundo, eu desejava. - Hoje você verá como tratamos os convidados que tentam nos enganar. Levem-na lá pra cima.

- Por favor senhor, me deixe ir. Tenha piedade.

- Piedade? - A risada fria me fez engolir em seco. - Isso você terá que ganhar, minha querida. Acho que você já ouviu as historias sobre mim... verá que todas são bem verdadeiras. 

- Por favor senhor. Eu não fiz por mal. E o senhor já recuperou o que é seu. - As mãos geladas voltaram a me segurar pelos braços e me arrastar para fora do pequeno salão. 

- Está noite, você será minha boneca de pano. E verá que não deve se mexer com o dragão adormecido...

Dance with the DragonOnde histórias criam vida. Descubra agora