Jin Ling é um jovem mestre filho do líder do clã que desde pequeno aprendeu a caçar com arco e flecha, se aventurando na floresta sempre que possível para encontrar todos os tipos de presa. No entanto, com o passar dos anos as caçadas foram se tornando cada vez mais tediosas ao ponto dele já não querer mais sair de casa. Vendo o filho desolado, o líder do clã ofereceu uma recompensa para quem propusesse uma caçada que instigasse o rapaz e logo vários mensageiros trouxeram notícias de todo o país sobre os mais fantásticos animais. Nenhum deles atraiu a atenção de Ling, até que em uma manhã na qual seu pai o convenceu a ir até a feira com a promessa de um novo arco, ele ouviu a conversa de duas moças sobre o deus da floresta. Apurando os ouvidos para não perder nenhuma informação, ele fingiu prestar atenção na madeira e envergadura dos arcos a sua frente, enquanto as duas conversavam.
Segundo a lenda, nas noites de lua cheia o deus descia dos céus para tocar Koto na floresta. O som produzido é tão majestoso que atrai todos os animais da região até ele e nenhum caçador consegue encontrar nada durante esse período. Dentre as pessoas que conseguiram ver este deus o único consenso é que ele é Belo, ninguém consegue descrevê-lo para além disso ou se lembrar exatamente de sua aparência. Mesmo depois de voltar para casa com o novo arco, a lenda ainda estava cravada no coração do jovem mestre e tomou seus pensamentos até a próxima lua cheia. Na primeira noite ele se preparou e adentrou sozinho a floresta, deixando para trás apenas uma carta para o pai explicando que iria caçar um deus.
A lua estava alta no céu iluminando o caminho, seus raios passavam por todas as frestas possíveis entre as copas das árvores permitindo que o rapaz visse melhor do que nas outras noites, mesmo assim não era o bastante. As sombras se alongavam infinitamente, criando poços de escuridão capazes de engolir uma pessoa. Os sons de passos, galhos quebrados, folhas esmagadas e eventuais xingamentos foram os únicos companheiros nessa caçada por um longo tempo, nem mesmo os insetos faziam barulho. O coração de Ling batia em seus ouvidos, nunca havia sentido isso em uma caçada antes, era uma mistura de ansiedade e medo que fazia seu sangue correr pelas veias, ele se sentia vivo.
O tempo na floresta era difícil de medir, podem ter se passado alguns minutos ou horas enquanto caminhava. O ar foi se tornando cada vez mais úmido, sua pele parecia coberta de orvalho como as folhas ao seu redor e o cheiro de terra molhada o envolveu. Ele imaginou estar perto de um rio ou lago, apesar de ainda não conseguir vê-lo. Uma única nota quebrou o silêncio da floresta, seguida por outras, altas e claras. Ling entrou em um estado de frenesi e se pôs a correr na direção do som, sem se importar com mais nada. Por entre as árvores pode ver a luz da lua aumentando gradativamente e cobriu os olhos com a manga das vestes até que pudesse se acostumar. Piscando rapidamente, ele percebeu que havia entrado em uma clareira. Diversos animais estavam deitados no chão e viraram os rostos para ele quando chegou, alguns pareciam aborrecidos, outros com medo ou raiva, mas nenhum se mexeu do seu lugar de descanso ao redor da figura central encostada em uma árvore no lado oposto da clareira.
Os olhos de Ling seguiram a figura de baixo para cima, primeiro o koto feito de madeira com dezessete cordas pousado no chão a frente dos joelhos dele, depois as mãos grandes de longos dedos pousados sobre as cordas para silenciar completamente o instrumento, em seguida as mangas do quimono branco como a neve com pequenas nuvens desenhadas em fios de prata e o fukuro obi que parecia ter sido feito inteiramente com fios de prata, para então chegar ao rosto. Toda a parte exposta da pele dele parecia brilhar sob a luz do luar, seus lábios eram finos, seu nariz pequeno e arredondado, seus olhos eram de um cinza muito escuro e os longos cabelos negros caiam pelos ombros, chegando até o final do obi. Dentre tudo isso, o que mais chamou a atenção de Ling foram os galhos que saiam da cabeça dele, logo acima das orelhas, como se fossem enfeites de cabelo, havia um de cada lado e dos ramos brotavam pequenas folhas e flores de cerejeira.
Levou apenas alguns segundos para fazer o movimento, mas pareceu que ele havia observado o deus por muito tempo, tanto que as pernas dele falharam, fazendo com que caísse de joelhos no chão se apoiando no arco. O deus levantou de seu lugar assustado e os animais abriram caminho para que ele pudesse correr na direção do jovem mestre caído.
-Você está bem? Nenhum humano jamais teve coragem de chegar tão perto, eles normalmente se escondem na floresta para me ouvir tocar. - A voz dele era melódica e calorosa, qualquer cantor sonharia em poder falar desta forma, as mãos ao contrário eram frias. Quando ele tocou o rosto de Ling, fez o rapaz estremecer. Encarar um ser tão belo de perto deixou-o sem palavras, agora entendia porque a lenda dizia que ninguém conseguiu descrevê-lo. Tudo o que fez foi balançar a cabeça confirmando e levantar sua mão tremula tentando tocar o galho acima de cabeça dele para saber se era real. Tão rápido quanto havia chegado o deus se afastou dele, empurrando suas mãos para longe, o olhar dele se tornou selvagem e afiado assim que pousou no arco que Ling carregava.
-Você é um caçador. O que quer? - O coração do rapaz afundou no peito de desespero, não porque pudesse morrer, mas porque o deus havia se afastado, deixando-o órfão do seu toque.
-Eu vim porque ouvi sobre você, pensei que poderia caçá-lo, mas não posso, por isso lhe ofereço meu arco. - Aquilo era o mesmo que oferecer seus serviços ao deus, ele corrigiu a postura e abaixou a cabeça, segurando o arco em frente ao corpo com as duas mãos. O deus olhou ao redor sem saber exatamente o que fazer, os humanos são estranhos.
-Você não vai me matar? Nem os animais? - Ele perguntou um tanto confuso, se aproximando novamente do rapaz abaixado e colocando a mão sobre a cabeça dele.
-Eu preferia morrer do que o ferir. – Ling admitiu, fazendo o deus sorrir. Satisfeito com a resposta ele tomou o jovem mestre pelas mãos e o ajudou a se levantar, guiando-o pela mão até o local em que estava seu koto e colocando-o sentado ao seu lado.
-Vou tocar algo para você, a muito tempo que não tenho uma plateia humana. – Ling manteve os olhos no deus o tempo todo, a música que ele tocou durou uma semana inteira e ao terminar já era hora de retornar ao seu lar junto com os outros deuses. O jovem mestre não queria deixa-lo e nem ele ao seu novo companheiro, mas levar um humano consigo teria consequências. Foi então que o deus teve uma ideia, ele puxou uma das flechas na aljava do rapaz e colocou nas mãos dele, pedindo que o acertasse. Ling entrou em pânico, balançando a cabeça freneticamente para os lados. O coração do deus se aqueceu vendo aquela reação e explicou que se o ferisse, teria uma desculpa para levá-lo de volta com ele, pois seria o único humano que já foi capaz de caçá-lo. Apesar de concordar o rapaz não queria o ferir gravemente, por isso mirou no ombro do deus e disparou.
Os dois chegaram aos céus com o jovem mestre amparando o deus ferido. Um dos braços do deus chamado Sizhui estava ao redor do ombro de Ling que o segurava pela cintura. Os gritos do rapaz atraíram todos os tipos de celestiais, inclusive a família do deus. Após explicar sobre o acordo dos dois, Ling foi recebido pela família e pode ficar ao lado do seu companheiro até que se recuperasse.
Desde então a lenda conta que nas noites de lua cheia o deus descia dos céus para tocar Koto na floresta acompanhado de seu protetor, um jovem caçador que costumava ser humano.
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Sob a lua cheia - Zhuiling
FanfictionJin Ling tinha tudo o que poderia querer, mas a vida não fazia muito sentido. Até decidir caçar um deus e encontrar Sizhui o lindo e gentil deus que vem a terra nas noites de lua cheia para tocar Koto. (Escrevi isso para a minha aula de literatura j...