Puta merda!!!!!!!!!! Isso está mesmo acontecendo?

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O macarrão instantâneo esfria em minha mesa enquanto eu o toco com o garfo, sem sequer levá-lo até a boca.

Não há ninguém em casa, e isso já é costume: meu pai vive viajando à trabalho e eu, filho único, resto na mesa sozinho por cinco de sete dias da semana.

Largo o garfo e saio da mesa, vou até meu quarto, visto um moletom e um tênis.

São nove da noite de um sexta. Pego minha carteira, meu celular e as chaves da caminhonete velha do meu pai. Apenas um nome ecoa em minha mente: Gabriel.

xx

Então faço como em um drama adolescente: jogo algumas pedrinhas na janela do quarto de Gabriel, no segundo andar da casa.

Ele não aparece, então decido mandar uma mensagem para seu celular.

"estou aqui fora"

Logo ele aparece na janela, sorrindo como um bobo. Saca o telefone e digita para mim.

"???"

"espere ai."

Três minutos depois ele surge na porta da frente, de camiseta preta e jeans igualmente preto. Perfeito.

—O que aconteceu, Arthur? Está tudo bem? —de repente ele parece preocupado. Abro um sorriso.

—Só queria sua companhia.

—Bom, é uma honra.

Dou uma risadinha e ele sorri.

—Para onde vamos? —diz.

—Para o lugar de sempre —respondo.

Ele me dá um olhar, pois sabe o lugar ao qual me referi. Então se vira, indo até a caminhonete.

Eu o sigo, me sentando no banco do motorista.

xx

Estaciono a D-10 bege na frente de um posto de gasolina e entramos na loja de conveniência, nos direcionando para a parte de bebidas.

—O que vai querer hoje, senhor? —dou uma risada e Gabriel abre a porta do freezer, pegando uma cerveja Heineken de 600 ml. —Temos cerveja —ele segura a porta com o pé e pega uma garrafa de vinho com a mão que sobrou. —Vinho tinto e... outras especiarias.

Pego uma Vodka de limão de dentro do freezer.

—O de sempre. —falo, e ele sorri.

—Ótima escolha.

xx

Pegamos uma avenida vazia. Gabriel acompanha a música do rádio, erguendo o som no refrão.

—So you're a tough guy like it really rough guy, just can't get enough guy, chest always so puffed guy—ele canta e eu olho para ele, sorrindo.

Já que meu carro não tem bluetooth, sempre somos obrigados a ouvir a rádio local (que toca as mesmas coisas sempre, sempre e sempre) então essa música da Billie Eilish é muito presente nas nossas voltinhas de carro.

Ele sorri para mim, dançando.

—I'm that bad type... canta comigo, Arthur! —ele diz. Eu balanço a cabeça e olho para frente, falando meio alto:

—Passo.

—Você é um chato —ele abaixa o som e coloca o rosto para fora da janela.

Às vezes quero ser mais igual ao Gab: extrovertido, boa pinta e sexy. Mas eu sou apenas eu, todo Arthurizado. Tímido, magro em demasiado, cabeça nas nuvens. Odeio meu cabelo, encaracolado demais. Odeio usar óculos (porque não me acostumei às lentes de contato) e odeio mais ainda meu nariz: grande e feio.

Mas, por mais que eu me odeie tanto, sei que Gabriel me ama. Somos amigos a tanto tempo e ele sempre demonstra muito afeto.

Mas não o tipo de afeto que eu queria.

Viro em uma esquerda e, finalmente, chegamos ao nosso campinho de futebol.

Descemos do carro, pego a manta no banco de trás e Gabriel leva a vodka. Consigo ver seu rosto de relance quando passamos por baixo de um poste de luz.

Gabriel é lindo. Tem o cabelo mais sedoso que eu já vi, meio comprido. Possui olhos pretos como a noite, maxilar marcado e cheiro de desodorante old spice. O Souza não passa de um menino padrão, sem detalhes marcantes. Isso para as outras pessoas; para mim, ele é o garoto mais diferente que já conheci.

Nos sentamos por cima da cobertinha marrom, estendida na grama. Gabriel se deita, e eu o acompanho.

Observamos um pouco o céu, até que ele se senta e abre a vodka, sorrindo. Ele levanta a garrafa acima da cabeça.

—Um brinde ao meu caro Arthur Siqueira Pinto —eu coro, pois odeio que falem meu último nome em voz alta. Já fora motivo de piada na escola.

—Ei!! —empurro seu ombro de leve. Ele ri e continua:

—Meu melhor amigo... e amante —ele me manda beijinhos de longe. Finjo vomitar. E ele dá o primeiro gole, fazendo cara feia. Dou um sorriso. Gabriel nunca conseguiu beber sem fazer careta, desde a adolescência.

—Amém, irmão. —é minha vez de beber.

xx

Devem ser duas da manhã. Eu e Gab estamos deitados novamente.

—Se o mundo estivesse acabando, o que você faria? —ele pergunta.

—Pera. Quanto tempo eu teria?

—Hmmm —ele pensa.—Vinte e quatro horas.

Suspiro fundo, pensando. E então digo:

—Ficaria com meu pai até lá.

Ele parece surpreso. Se vira para mim, se apoiando pelo cotovelo direito.

—Sério? Não faria nada louco? Tipo pular de Bungee Jump ou... sei lá, correr pelado pela rua?

Dou risada.

—Desculpa não ser tão radical quanto você, sabe-tudo. —vejo ele sorrir. A imagem embaçada por causa da bebida. —O que você faria?

Ele me encara, o sorriso desaparece.

—Você quer mesmo saber?

Pondero responder que não, assustado por sua expressão. Mas falo que sim. Ele respira fundo, e se deita de novo.

—Ok. Primeiro, eu gastaria todas as minhas economias em uma viagem para o Peru. Ver o fucking Machu Picchu. —dou um sorriso, olhando para o céu. —E beijaria uma pessoa, meu amor impossível.

Engasgo nessa parte e não ouço o resto. Nunca tinha escutado Gabriel falar de amor com exceção de seu lance de ensino médio, Vitória. Quando ele acaba, pergunto:

—Amor impossível? Essa é nova. —tento sorrir.

—É. —não vejo sua expressão, pois estou tentando não surtar.

Era inevitável ele gostar de outra pessoa. E eu sempre soube disso. Sempre tive a total noção de que um dia ele apareceria com alguém, e eu teria que aguentar o peso.

Mas a teoria é mais fácil que a prática em si, então sim, eu estou quase surtando.

—E quem é? —pergunto.

Ele fica quieto por alguns segundos. E então sobe em cima de mim.

Eu quero hiperventilar, mas também não quero parecer um louco. Então só fico olhando para ele, as mãos ao lado de seus joelhos.

E então ele abaixa a cabeça até a minha e me beija. E eu beijo ele.

Puta merda!!!!!!!!!! Isso está mesmo acontecendo?

E eu beijo ele. E eu beijo e beijo e beijo ele. Por uns três minutos seguidos.

E enfim, ele encosta sua testa na minha, sorrindo.

—Não é o fim do mundo... —falo. Ele ri.

não é o fim do mundoOnde histórias criam vida. Descubra agora