CÁRCERE I

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             Cinco da manhã, a barriga grudada no fogão, Maria já nem sabe se é ela que faz parte dele ou o contrário. O cheiro de café impregnando a cozinha, é só mais um dia, ela tenta acreditar no que recita para si. Desconhece outra rotina. Foi assim desde sempre. As panelas, o cuidar dos irmãos menores e até a lida na roça o que teve por brincadeira. A cinta lanhava as costas se o "não" escapulisse da boca. Cinco e meia, o arrastar de pé pela casa. Inácio começa seu rito matinal. O som do jato de mijo batendo na água do vaso. Maria agradece em voz baixa, os chinelos do marido estão a tempo na soleira do banheiro. O pão ainda está quentinho do jeito que ele gosta. Inácio é de poucas palavras, humor intragável nesse horário.

           Seis horas, ele levanta da mesa, beija a cabeça dos filhos que chegam por ali. Até, diz ao sair. Maria fica em silêncio, apenas força um sorriso, como o prazer que finge sentir quando ele está dentro dela. Bia e Caio discutem pela última fatia de mortadela, o menino é mais rápido com o garfo, e após o embate, perdem Bia para outro adversário, o celular. Às vezes, a vontade de Maria é de ter algum lugar para escapar também, apertar um botão, desligar. Talvez depois de limpar a casa, tirar as roupas do varal, o almoço... Ah esquece Maria, ainda tem muito pela frente, teu mundo é esse pedacinho de chão. Seis e meia, o eco, a vassoura, Maria, as camas por fazer. Mulher minha não trabalha, Inácio costuma dizer, mas trabalho de casa não termina, as varizes nas pernas que o digam.

        Função mãe reativada, meio-dia, apanha a farda de Caio pelos móveis, herdou do pai dele o hábito de deixar tudo por onde passa. Há um buraco novo no uniforme, e se atrasasse a conta de luz desse mês, será que daria para comprar outro? Maria confabula. Bia chegou cabisbaixa, segunda vez essa semana. De banho tomado eles sentam à mesa, mas ao invés de comer, vomitam reclamações... Não quero isso, não vou comer aquilo, não tem tal coisa? A importunam. Desculpem mas o cardápio é esse... Uma batalha perdida. E lá vai Maria encostar a barriga no fogão outra vez, prepara algo que agrade o paladar dos queixosos e assim que os serve, cada um escolhe uma parte da casa para saborear seu ovo frito em paz. Uma da tarde, o estômago dói, prato da mãe permanece vazio. 

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