CÁRCERE III

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         O sono roubado dos filhos comprime o coração de Maria. Enquanto as cobranças crescem, o dinheiro desaparece, agora ela afana sobras. O trio orquestrado pela mãe espera aquele que deveria zelar por eles adormecer para erguê-lo do chão, arrastá-lo até a cama para vasculhar seus bolsos, carteira, cartõezinhos, pedaços de papéis na tentativa de decifrar o porquê desta mesquinharia. É na fé que Maria encontra forças para continuar, embora até nisso Inácio faça questão de opinar: Será que é só pra Igreja que tu vai?

        As moças do círculo de oração fazem uma visita à ovelha desgarrada, há dias Maria não põe os pés na congregação, Inácio a proibiu de sair, "endoideceu" ele repete com veemência às irmãs. Expulsa as coitadas aos berros, Maria se atreve a respondê-lo, mas é silenciada com um sacolejo. As marcas dos dedos de Inácio formam a mancha roxa no braço da mulher, mas nada que uma blusa de manga longa não possa cobrir. Ah! As aparências. Ele se arrepende, pede desculpas e um fio de esperança cintila no olhar da esposa, mas basta o amigo dele se intrometer para o ciclo de aflições recomeçar.

      Sem família por perto, a única pessoa com quem Maria ainda mantém contato é com Joana, a vizinha. Além de acudir na necessidade, Joana a encoraja, quando vai acabar com isso? Diz a vizinha, até passou número para denunciar a situação. Maria balança a cabeça, vai varrendo a poeira para debaixo do tapete. Do outro lado do muro, Joana conta a amiga sobre uma tal mocinha lá para as bandas do Centro que viu enganchada no pescoço de Inácio, que por sua vez não fez questão de escondê-la. Três dias se passam e nada do marido voltar. Maria se vira como pode, exceto quando o serviço precisa de força extra, aí são os braços de Pedro, marido de Joana, em que ela se vale, mas a prosa chega diferente aos ouvidos de quem não deveria.

       A tardinha, Maria reconhece a voz que vem da sala, ouvi alguém perguntar a Caio sobre o paradeiro dela, Inácio está de volta, caminha depressa pelo corredor, esbarra em objetos que caem pelo caminho. Onde tá aquela vagabunda? ele grita. Maria aguarda o encontro inevitável enquanto tira as roupas do varal. Inácio berra e cobra dela explicações que não são respondidas. O álcool exalando por todos os poros dele. Inácio bate no peito, direciona uma enxurrada de xingamentos à mulher. Maria não arreda, está farta de tudo, atira a bacia de roupas no chão. Caio e Bia são espectadores do medo. Maria não desmente a fofoca, traz o caso do marido à tona e isso basta para Inácio explodir. 

      O primeiro soco leva Maria ao chão. Agonia. Os gritos das crianças se intensificam, Inácio arranca o fio do varal, o usa para enforcar Maria. Os filhos tentam impedir a fúria do pai sem sucesso, imploram para que ele solte a mãe deles, a vizinhança em polvorosa. Maria não tem forças para empurrar o pesado corpo do marido de cima dela, a vista escurecendo, o fôlego esvaindo-se, até que de repente, uma pancada, duas, três... Inácio cambaleia, leva a mão à cabeça, cai desacordado ao lado da mulher, há sangue por toda parte. Os olhos da mãe fixam-se no filho tomado pelo desespero, o horror paira no ambiente. O menino solta o martelo ensanguentado. Em depoimento à polícia, a vítima confessa: culpada! Torna-se outro o cárcere de Maria.

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