Fase 1: Despertar

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Há milênios, quando a terra era inóspita, havia sob ela um lugar conhecido como vale do sono. Ele era habitado por monstros, semi-deuses exilados e muitos outros miseráveis que viam ali a sua última e única opção para sobreviver. Lá ninguém conhecia a misericórdia e a única regra que os regia era a de que o mais forte, rápido e esperto sobrevivia.
Em meio ao caos natural daquele lugar vivia a guerreira Ubasti. Alta, forte e rápida. Tão rápida que diziam que olho algum a acompanhava e não havia quem conseguisse escapar do fio de sua espada. Seu rosto não passava de especulações, mas seu nome corria por todos os becos e ruelas possíveis. A única coisa de que se tinha certeza sobre ela era de que Ubasti sempre andava com seu fiel companheiro: Tandloos, e que em seu coração guardava o último resquício de um poder antigo, capaz de curar.

Por motivos desconhecidos o vale do sono foi atacado por uma força esmagadora que o desolou em menos de 1 dia. Sem chances de haver mais, acredita-se que apenas um ser foi capaz de sair vivo daquele lugar. Em estado de coma e selado numa semente de baobá, espera até hoje despertar de seu sono e concluir a missão que lhe foi dado.

- Ela morreu? ... - disse Ágata levantando seu bracinho o mais alto que pôde.
- É o que dizem. Mas não há como saber. Só se sabe que alguém conseguiu sobreviver. Mas quem?
- FOI ELA! - gritou Bárbara levantando-se com sua espada feita com o cabo de uma vassoura velha. - A guerreira mais forte do vale. É claro que foi ela!
- Ela pode ter salvado alguém. - disse Kaio a contrariando.

Steve observava se divertindo com a imaginação das crianças e tentando acalmar-lhe os nervos quando entravam em conflito. Mas a cada história que contava, adorava o fato de que aos poucos podia transmitir a elas o gosto pelas palavras que ele sempre teve. Ao fim da tarde, o clube do livro fechou, as crianças voltaram para suas casas e Steve se voltou para as fileiras intermináveis de livros, sentado numa poltrona.

- rmrmrmrmrmrmiau
- É Kratos. É uma ótima história. A melhor de todas, provavelmente - Steve acariciava o gato sobre suas pernas enquanto viajava em lembranças de quando todas as noites pedia para que sua mãe lhe contasse essa história. - A lenda de Ubasti... e olha que foi só um pedacinho dela.

O dia amanheceu e mais uma vez lá estava Steve limpando as estantes de livros da biblioteca pública. Entretido em sua imaginação quase não percebera que Kratos estava inquieto. Subia e descia das mesas e prateleiras, andava de um lado para o outro e finalmente começou a arranhar a porta de saída, miando como se pedisse para abri-la. 

- Kratos?
Quer ver o lado de fora? - Steve ainda falava quando abriu a porta e sentiu um arrepio subindo a espinha por causa do frio que imediatamente entrou . - san-santo olivaras...

- Kratos, o q... KRATOS?

Cinco segundos.
Apenas cinco segundos foram necessários para que Steve pudesse virar e ver apenas o rabo de seu gato, que já virava a esquina.

Steve correu o mais rápido que pôde quase batendo num senhor que passava e por pouco não tropeçando numa pedra, mas ao virar a esquina, que surpresa, não havia gato, não haviam pessoas, nem entradas próximas. Kratos simplesmente sumira sem vestígios, explicações ou possíveis motivos. Tão discreto quanto a fumaça numa manhã de névoa.

7 anos depois

"Life could be a dream, life could be a dream. Do, do, do, do, sh-boom [...]" (*1)

A música tocava enquanto Steve trocava suas roupas da faculdade e se preparava para dormir. O som ecoava pela casa vazia e o tempo lá fora dava a impressão de que a chuva logo chegaria. O homem pousou a xícara de café ao lado da foto de seu antigo gato, desaparecido, enquanto andava em direção à cozinha para preparar um lanche.
Montou um misto quente, pôs na sanduicheira e saiu para o gramado com a xícara de café quente na mão.

- Aaaa... adoro isso. Clima perfeito pra relaxar - pensava ele.

A noite estava fria e o vento forte balançava as folhas das plantas que enfeitavam a frente da casa. Uma mureta extensa verde de folhas cobrindo uma cerca baixa que marcavam os limites do terreno e à esquerda, na direção da casa vizinha um par de olhos dourados fitando Steve sem piscar, quase que imperceptíveis. Ao percebê-los, os dedos do homem afrouxaram e a xícara pendeu deixando parte do café cair. Por um momento Steve perdeu as forças do corpo e seu coração pulsou como se quisesse correr para longe, no entanto, no segundo em que piscou, os olhos dourados sumiram nas sombras como se nunca tivessem sido reais. Pouco depois, a chuva chegou.

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*1: Life could be a dream - The coasters

A lenda de UbastiOnde histórias criam vida. Descubra agora