Mil Histórias

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De mil histórias, a primeira. Feita no resquício de sanidade. Perfeita do alvorecer às trevas. Paixão do insano ponto à torturante vírgula. És tu, Bela. Bela do início ao fim, inquietante, dilacerante. Perfeita do salto de nove centímetros à última ponta dos cabelos ondulados, que capturaram meus pés e chamaram-me para o conflito. Bela és tu. Primeira das mil. Inesquecível és tu, Bela.

Este - Bela - é o nome que dissera a mim. Escutei pelos cantos vários nomes. Joaquina, Vanessa, Patrícia, Alice. Mas nenhum, nenhum mesmo, se compara à Bela. Bela como lua, que reluz sua beleza, sem escrúpulos. Bela como uma rosa, que impregnara o cheiro em minha mente e vestes. Bela como Bela. Bela das ruas. Cheia de vida. Tanta vida que agarrou-me, pediu uns trocados e deu-me o maior dos prazeres: a morte.

Morte. O fim do ciclo. A uns, libertadora sentença. A outros, destino cruel. A mim, uma oportunidade de livrar de todos os males as preciosas criaturas. De todos os males desta terra de impurezas, sem dono, suja, corrupta. Morte da morte, rápida, indolor. Sem mais nem menos. Que acaba como a oração, com um amém ou com um ponto.

Voltando a ti, Bela. Era o dia trinta e um de dezembro, do ano de mil novecentos e noventa e nove, uma tarde ensolarada. Estava eu, ansioso pela virada do milênio, caçando algo que alegraria o vão infortúnio de meu ser. Mas parecia em vão.

A avenida se enchia. Corriam as pessoas para realizar suas atividades, esperando o novo ano para se encher de falsas esperanças. Tinha pena deles, de verdade, todos tão iludidos quanto eu. Até que te vi. Parada, tímida, olhando pro chão e com uma bolsa preta encostada na mini-saia. Estavas linda, com o corpo escultural à vista. Seus seios e sua bunda chamavam o meu olhar. Exalavam desejo, sensualidade, felicidade e lucidez. Ah, lucidez, que falta me fazes!

Aproximei-me do um metro e sessenta e cinco, em cima de um salto. Cutuquei o ombro e, então, se virou. Tua maquiagem escorria por entre o rosto. Todavia, os olhos azuis, o nariz delicado e os dentes, um pouco tortos, eram mais lindos do que de quando os vira de relance. Abriu-me um sorriso, daqueles dos mais sinceros possíveis, e perguntou-me, em busca de um cliente:

- Quem é?

Sabia de sua brincadeira de trocar de nome e, por isso, disse-te um falso: Tales. Devolvi o sorriso também, um sincero como o seu, mas não tão bonito quanto.

- Tales? Prazer, sou Be-la. - Soletrou teu nome, passando a língua pelos dentes, querendo atiçar-me.

Conversamos e nos encaminhamos para meu quarto. Tu, de nome dissilábico, começaras a beijar-me, arrancar minha camiseta e enfiar a mão por dentro de minhas vestes, sedenta. Eu, de nome falso, enquanto desabotoava o teu sutiã, percorria teu pescoço com pequenos beijos, visando os bicos de seus seios.

Deitamos. Tu, nua. Eu, com minha única peça íntima. Virei-te, tirando-te de cima de mim e te jogando contra a cama. Desci sobre suas curvas, esquiando pelas mais lindas vistas.

Depositei beijos carinhosos, aproximando-me de seu clitóris, a oitava maravilha deste mundo. Passei a língua uma, duas, três vezes, até pedir-me mais. Querer mais. Desejar-me ali, tanto quanto eu te desejava. Dei-te o que queria. Senti a respiração ofegante e os espasmos, um pouco depois.

Arranquei a cueca. Penetrei-te, uma, duas, três... incontáveis vezes, ao passo que sussurrava vergonhas nos ouvidos teus. Fui apalpando a cintura e teus seios, nas estocadas, quando o ritmo ia se tornando frenético. E frenético, frenético, frenético... até que o clímax chega aos dois. Murmúrios arfantes, transpiração demasiada e a fadiga eram as únicas coisas do local.

Assim que fechou os olhos para recuperar o ar, enquanto ainda estava dentro de ti, peguei um dos travesseiros da cama e pressionei-o contra tua bela face. Bela como teu nome. Vi-te se debater, resmungar, espernear. Mas, no fim, tudo acabou. O ar acabou, a paixão foi embora e tua vida murchou, Bela.

Queria ter visto teus olhos se despedindo dos meus, mas não era possível. Queria te matar o mais rápido possível. Livrar-te de todos os males, amém!

Vesti-te, com as roupas do chão. Amarrei-te contra a cabeceira da cama e coloquei uma gravata minha, de cor vermelha, em tua boca. Esquentei um cutelo e passei-o contra as maçãs de teu rosto, formando duas linhas em cada, apenas para ver uma parte do líquido, que te mantinha viva, escapar.

Então, rapidamente, com o mesmo cutelo, cortei todo o teu belo corpo, coloquei-o em um saco e o enterrei no quintal de minha casa, que se tornaria palco para mais novecentas e noventa e nove histórias...

Infortúnios da MadrugadaOnde histórias criam vida. Descubra agora