A Estação

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O tempo não era bom. O mundo caía em cima daquela circunferência preta criada pelo guarda chuva que o homem apressado carregava. A circunferência, junto do tecido preto da capa de chuva que ia dos pés a cabeça, protegiam um emaranhado de cabelos castanho-escuros, um par de olhos azuis e uma barba rala.

O homem tinha por volta de uns trinta anos e caminhava quase que correndo. Havia uma exacerbada ansiedade em cada movimento. Tinha acabado de perder o ônibus das dez e o trem das onze, por isso sabia que, seja lá pra onde corria, era o melhor.

Não demorou muito para que começasse a desacelerar os passos. Tinha chegado a estação, a estação de metrô, a que tanto visitava e a que tanto temia. Respirou fundo e desceu os degraus da escada de dois em dois, tremendo dos pés à cabeça. O medo passeava por entre a face preocupada.

A selva de pessoas indo e vindo naquele chão de pedra morena lhe causou mais um desconforto. Ele mexia as mãos, esticava o pescoço e ficava de ponta de pé, visando enxergar três, quatro, cincos passos à frente. Mas não adiantava, o lugar estava cheio demais para enxergar algo à frente ou atrás.

— Qual é teu problema, Jorge? Está louco? Quase derrubou uma senhora ali atrás — disse-lhe um transeunte idoso, que tinha o seguido de um pouco antes.

— Desculpe, mas nos conhecemos?

— É claro que sim. Nos encontramos todos os anos, neste mesmo dia, nesta mesma estação. Não se lembra? — O velho deu-lhe um sorriso de orelha a orelha, que transmitia confiança. — Está procurando o de sempre, não é?

Si-sim! — Jorge disse, olhando no fundo dos olhos castanhos do homem. — Sabe onde ela está?

— Ah, mas é claro que sim. Venho guiando-te por todos estes anos, neste mesmo dia, nesta mesma estação... E hoje não será diferente. Venha comigo.

O velho acabara de estender as mãos trêmulas e enrugadas para Jorge, como se ele fosse uma criança de poucos anos, que não conhecia nem um pouco daquele lugar. Ao invés de retribuir o gesto, apenas o olhou com o desprezo de um homem que passou a vida inteira pisando em outras pessoas.

— Vejo que não aprendeu nada nestes anos, Jorge. Continua o mesmo homem, que busca e busca a mesma coisa, mas nunca a pratica. Por quê?

— Senhor, eu não te conheço. Tampouco lembro-me de teu rosto ou de teu nome. Como posso saber de que está falando a verdade?

O corcundo idoso passou a mão por entre a grande barba branca, olhou pro chão e se calou, enquanto caminhavam por entre a monotonia de rostos. Ele parecia tentar responder, ou achar as palavras certas, ou apenas mudar de assunto.

— É óbvio que me conhece, Jorge. Pode me dizer, estou aqui pra lhe ajudar. Diga qual é o problema de sua vida agora!— O velho colocou a mão em um dos ombros de Jorge e soltou o mesmo sorriso que transmitia confiança.

— É tudo, como sempre! Minha solidão, a falta de filhos e de uma mulher, o excesso de trabalho e...e… a tristeza.

— Tá aí uma coisa que você nunca disse, a palavra "tristeza". O que mudara do outro ano pra este?

— Não sei… Acho que eu nunca precisei dela como preciso hoje. Preciso de algo que me faça feliz, como ela sempre fez.

— Você vem gastando muito tempo só com coisas vãs, não percebe? Sinto cheiro de cigarro — o velho começara a farejar o local —, começou a fumar, Jorge?

— Sim, comecei. Como te disse, este ano estou precisando mais dela do que nunca. Sabe o porquê disso?

— Sei. Sei e muito. Mas vou aguardar para que encontremos ela e você verá com os próprios olhos.

Os dois seguiram vagarosamente por alguns metros. Parecia que a ansiedade de Jorge havia diminuído perto do desconhecido. Não entendo do porquê ele o seguia tão cegamente, feito fanático. Com certeza havia alguma conexão ali.

Os dois chegaram até o local de embarque, onde se espera o vagão. E, ali, pode-se ver a tão esperada coisa. Uma menininha encantadora, risonha e esperta. Tinha por volta de uns quatro anos, a pele morena, os cabelos pretos cacheados que batiam nos ombros e os olhos verdes encantadores. De fato, uma criatura única.

Ela passeava de mão em mão e de coração em coração, com uma aura multicolorida, um sorriso de dar inveja e um brilho único. Pessoas e mais pessoas abriam risos maravilhosos com apenas um toque, o que fazia com que todos a esperassem. Ela era, com certeza, a atração dali.

Quando avistou o velho, saiu correndo saltitando em sua direção, como se fosse ele quem ela esperava. Mas logo fincou os pés no chão e empalideceu-se quando viu quem o acompanhava. Não só fincou os pés, mas como tremeu e berrou. Berrou e chorou. Só que ninguém se compadecia com o seu sofrimento, talvez por ainda estarem extasiados.

Jorge, por sua vez, empalideceu-se também. A confusão perpassava por sua face, enquanto, trêmulo, via a garota virar as costas e solicitamente correr para o mais longe possível dele. Logo olhou para o velho, confuso demais, e lhe perguntou:

— Por quê? O que fiz desta vez para ela não me dar o que tanto quero? Quero apenas o motivo que ela me dá pra viver.

— Acabou, Jorge. Não há mais o que te dar para que você pare de fazer escolhas erradas e comece a se virar. A criança se nega a perpetuar seu sofrimento. Quer vê-lo livre.

— Então, o que quer dizer? Que tenho de pegar o metrô sem esperança?

— Esperança é o eterno esperar, meu caro. E esperar é cansar. É por isso que vem tendo todos esses teus sintomas. É hora de se libertar, deixar tudo para trás. Entre no metrô, ou faça o que sabe que tem de fazer.

Jorge olhou para os pés, massageou as têmporas e viu o mesmo sorriso confiante do velho aparecer. Ele parecia ter tomado uma decisão um pouco antes do metrô aparecer e, então, sair correndo. Correu como nunca na vida, atravessou as pessoas, subiu na grade de segurança e se jogou nos trilhos. Apenas se jogou e entrou na dança do universo…


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⏰ Última atualização: Oct 10, 2020 ⏰

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