Capítulo único

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O mar se quebrava em ondas nas pedras, respingando a água salgada na barra do meu vestido.

Me peguei lembrando hoje desse dia. Dos velhos momentos, dos bons momentos. Sintia a areia sob os meus pés, o ar úmido entrando nos meus pulmões. Meus lábios doíam, mas eu não conseguia parar de sorrir.

Vamos Anna, sorri pra mim! Você está tão linda.

Você dizia pra mim, segurando a sua câmera recém comprada. Você a guardava com tanta cautela e carinho que eu achava que era a sua mina de ouro, todo o poder mágico existente. Então eu rodopiava como sua modelo, brincava de bailarina com as pontas dos pés. Deixava o vento me levar, sentia as ondas nas minha pernas. Eu queria agarrar a liberdade que era amar uma pessoa. Que era amar você.

Penso hoje em dia se tudo que aconteceu foi por um motivo. Hoje, em minhas mãos, possuo a prova física que tudo aquilo não foi um sonho que me concederam: suas belas fotografias. Minhas memórias estão estagnadas em uma folha de papel lustroso, onde nós nos abraçamos. Nossos sorrisos sinceros são a prova viva que tudo precisa acontecer de uma determinada forma, onde a poesia é o ar que respiramos. Tudo é efêmero.

Nós somos efêmeros. Mas eu e você somos eternos.

Encontrei também a fotografia do dia do parque. As montanhas russas, carrinhos e barraquinhas coloridas. É engraçado, porque eu chego a sentir as luzes esquentando a minha pele. Você riria agora de mim, falando que sou dramática. Mas não, eu queria registar tudo naquele dia. Queria registrar o cheiro da pipoca amanteigada, o refrigerante de garrafa e o açúcar do algodão doce. Eu sinto o urso que você ganhou para mim e o click do flash dessa foto que tiramos juntos.

Eu estava tão descabelada, tínhamos acabado de sair de um brinquedo gigantesco que rodopiava pelos ares. Você gargalhava porque o tempo todo gritava de pura empolgação no brinquedo. Então você pegou a sua câmera virou para nós e bateu a foto. Que momento pior!

Edgar, eu te odeio.

Foi apenas o que eu me permiti dizer. Você riu e me beijou, sabia que eu não falava sério. Isso sim eu odiava em você, sempre sabia o se passava em mim, me lendo da cabeça aos pés. Eu me sentia vulnerável perto de ti.

Mas eu sempre vou te amar.

Você disse com cautela e eu nunca por um segundo duvidei. Você disse o mesmo no altar, quando nossos dedos anelares recebiam a aliança de banho dourado. Você disse que eu era o seu grande amor, seu presente e futuro. Que em milhares de vidas nos encontraríamos apenas com os olhares. Ficaríamos juntos pela eternidade juntamente com o macarrão da minha mãe. Seu grande e perfeito idiota. Até nesses momentos você tinha suas péssimas piadas, ein Ed?

Também tenho as fotos desse dia. Meu vestido de noiva caía pelo altar em uma gigantesca nuvem branquinha rendada, enquanto você todo pomposo posava sorrindo. Eu sabia que você tinha comprado o sapato com dois números menores e que estava se aguentando para atira-los longe (o que fez na festa). As fotos desse momento estão recheadas de luzes escuras, convidados sorrindo e nós nos abraçando.

Tenho as fotos da lua de mel, do passeio a cavalo e de você posando ao lado da estátua prateada. Uma pena ela não ter registrado o susto que você levou assim que ela se mexeu subitamente.

Nosso apartamento pequeno também recebeu um álbum. Desde da construção do prédio até o momento que as chaves estavam nas nossas mãos. Se lembra do nosso Chá de Panela? Sua tia nos deu tantos panos de prato que ainda devo ter pacotes fechados no fundo do armário da cozinha. Nosso primeiro jantar no chão, como se a falta de uma mesa fosse impedir de celebrarmos.

E eu que sempre achei uma besteira essa mania de você registar os momentos. De fotografar todos os segundos da nossa vida. Mas se você não os tivesse feito eu não teria um pedacinho de você aqui comigo. Não teria o seu sorriso gentil no nosso primeiro Natal, nem nossas roupas combinado no Ano Novo. Muito menos a sua carinha de susto quando descobrimos que eu estava grávida. Todos esses momentos estão aqui comigo, guardadas nas palmas das minhas mãos e no meu coração.

Você registou tudo, cada pequeno detalhe. O nascimento da nossa filha, seus primeiros passinhos. As primeiras vezes que compramos ursinhos e os dias que ela os abandonou. As brincadeiras rente à areia da praia e os castelinho que construímos. Sempre era você e a sua inseparável máquina fotográfica de cor escura.

Pai, isso é vergonhoso!

Ela tinha razão, você não deveria ter tirado fotos dela antes de ir para o primeiro encontro. Nossa menina estava crescendo e você empolgado tirando fotos para "quando o tempo passar poder relembrar". Mas eu já deveria saber que você era assim. Você também não se intimidou de fotografá-la na formatura e ao embarcar na faculdade. Milhares de álbuns se empilheiravam no nosso quarto e você os ostentava com ousadia.

Você me disse uma vez que aquelas fotos que você tirava eram provas de que tudo realmente aconteceu. Que sim, era possível ter uma vida plenamente feliz e perfeita, acompanhada das pessoas certas. Eu fiquei tão sem palavras porque compartilhava o mesmo sentimento. Tudo realmente aconteceu.

Mas infelizmente as fotografias não podem congelar o tempo. Nós sabíamos disso, meu bem.

Queria eu congelar todas as brincadeiras, cosquinha e sorrisos. Todos os momentos onde a paz reinou nas nossas vidas. A gente sempre soube que os anos passariam  e deixaríamos de existir.

Você foi me deixando, mesmo não querendo. Eu sabia que lutava, mas uma hora se cansaria. E você lutou tanto até não mais aguentar. Não foi uma desistência, muito menos entrega do pontos: precisava acontecer.

Mas as coisas não foram tão fáceis de entender. Não foi fácil não te ter mais aqui comigo, de não te sentir. Sentir suas gargalhadas e piadas sem contexto. De não escutar mais o click da câmera.

Porque ela também ficou abandonada depois que você partiu.

Não ousei utilizá-la mais, parecia que eu estava trapaceando com o universo. Por mais que eu tentasse não teria mais a mesma mágica. Você fazia com a alma e ninguém se compararia contigo.

Hoje, me encontro com todas as nossas fotos encima da minha cama. Pedi para que a nossa filha às deixasse aqui, próxima de mim. Você precisa ver, ela se tornou uma mulher tão linda. Forte, determinada e tão inteligente. Pedi para ela deixar aqui pois queria te ver de novo, seu rostinho tão lindo. Suas fotos são tão perfeitas.

Mas meu bem, essa será a última vez. Eu também estou tão cansada. Uma vida inteira pode pesar às costas, dificultar os passos. Eu estou pronta para te encontrar.

Nossas fotos registraram momentos tão incríveis, que posso senti-las. Você disse que me amaria para sempre, eu sempre soube.

Meu amor, eu estou indo te encontrar. Mas enquanto nossas fotos existirem, seremos eternos.

1181 palavras

Somos eternosOnde histórias criam vida. Descubra agora