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Enquanto eu falhamente tentava prestar atenção em algo na aula, um cansaço repentino se apossou do meu corpo, lentamente meus olhos foram ficando cada vez mais pesados e meus músculos se relaxando, até um ponto que não aguentava mais ficar em pé.

Mesmo com a iminente possibilidade de ser pego dormindo na aula de matemática, o que certamente aconteceria. Decidi ceder a aquele sentimento de exaustão; então deslizei o corpo devagar sobre a carteira sentindo minha visão escurecer, notando que não importava o quão fechados estivessem meus olhos, a voz do professor ainda se fazia audível.

Pelo menos, até minha mente realmente entrar na inconsciência.

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Ainda não sei bem como eu poderia lhe explicar qual foi a sensação, nem o que tornava aquele estranho sonho diferente de todos os outros, mas inutilmente, posso tentar narrá-lo.

Você já sonhou que estava caindo? 

Certamente sim, mas não só caindo, você já sonhou que estava em um abismo, sem fim?

Pois posso te dizer que foi quase igual, só que ao invés de nunca parar, por um instante, foi como se minha mente tivesse sido arrebatada bruscamente e acabasse pousando em outro lugar. 

Um lugar frio, escuro e que com toda a certeza não era a minha sala de aula.

Com o corpo caído e meio atordoado, sentia que algo se movia não tão distante dali. 

O primeiro instinto que tive, foi me levantar do úmido e desconfortável chão em que me encontrava. O segundo, caminhar naquele lugar.

Tentei ir mais rápido, pois sentia que o que é que estivesse me seguindo, era grande, BEM grande.

Correr a plenos pulmões para fugir de algo desconhecido, tentando não tropeçar na escuridão e sentir a tontura provocada pela minha falta de ar, mostrou como as minhas pernas e pulmões eram totalmente inúteis em me manter vivo na fuga.

Tudo isso só incentivou meu corpo magricela a se esconder atrás de um tronco qualquer.

Respirar era quase impossível com a visão embaçada, cabeça girando e por mal saber onde.

A única coisa a qual sabia, era estar cercado por árvores. Mas agora meus olhos passeavam por todos os cantos, tentando notar cada vez mais nos detalhes que havia deixado passar até agora.

Então com às poucas forças que tinha, comecei a arrastar meus passos lentamente sobre o solo revestido de folhas, buscando me distanciar do barulho que se aproximava. Porém, a tontura ainda não havia passado. 

Me recostei sobre a árvore mais próxima e respirei mais um pouco. Com toda a certeza, estava dentro de um bosque ou sei lá.

Por que sonharia com aquilo?


S

abia que não era real, mas quanto mais andava, mais me sentia realmente ali. Como se não fosse só da minha cabeça. 

Como se já estivesse naquele lugar, naquele específico lugar. 

Algo similar a só mais uma lembrança, um flashback do passado que não era precisamente meu, mas com certeza era um.

Quando ouvi um galho próximo se quebrar, sai dos meus pensamentos voltando a correr. 

Cada passo parecia ser observado, não importava o quanto fugisse. A todo o momento sentia sua aproximação.

Vendo uma sombra se movendo e me encarando de dentro da névoa. Se aproximando cada vez mais rápido.

Meu corpo decidiu parar e permaneceu imóvel, controlado por uma força que não me permitia sair do lugar. 

A criatura finalmente saiu da névoa que nos rondava, revelando ser um animal, mais precisamente um lobo. Um grande e escuro lobo, com dois olhos azuis cor de água, que aparentavam reluzir em meio à noite como safiras gélidas.

O céu não estava mais escuro, tudo agora era cinza. Tudo agora era mórbido.

O ar parecia estar carregado de luto, aquele olhar expressava dor e raiva, seu rosnado me lembrava do perigo eminente, porém ainda não me mexia.

Ele caminhava em minha direção, quase despencando sobre às folhas secas de outono. Parado diante dos meus olhos, somente alguns centímetros distanciavam nossas faces. 

Sua altura, postura, tudo projetado para me causar terror, mas o medo havia sumido.

Tão de repente quanto sua aparição, não havia mais um lobo ali, só uma pessoa perdida, solitária talvez.

Que além de não me ver mais, agora encarava os primeiros raios solares que iluminavam a cinzenta mata. 

Dando a entender, que algo havia retornado, um brilho em meio as trevas da sua mente.

Encarar seus olhos novamente, foi a única coisa que pude fazer antes de sentir de novo aquele arrebatamento tão bruto.

Antes de tudo ao meu redor virar um puro e sufocante breu.

❝ ✦ ❞

- Senhor Hernandez? – Me lembro exatamente do tom na voz do professor, porque pela primeira vez, ele me chamou usando o sobrenome.

Levantar a cabeça me fez pensar se estava ou não de ressaca, o professor e a sala olhando para mim. Todos aqueles desconhecidos me olhando... uma maravilha.

- Oi? Finalmente acordado?! – O tom dele era muito  incômodo. – Você poderia me dizer sobre o que eu acabei de ler?

Nem tentei criar uma mentira idiota ou improvisar, porque não daria certo. Apenas respondi que não e me desculpei por ter apagado. 

O sorriso de canto dado como resposta pela minha crua sinceridade, não persistiu muito, porém, sei o quanto surpreendi ele.

- Mais atenção na próxima! – Se virando para a lousa, continuou a tortura, quero dizer, a aula de trigonometria.

Aquilo não acabou cedo e todos os pensamentos em minha mente, não evaporariam tão cedo também. 

O céu estava cinzento agora, havia gotas de chuva escorrendo pela janela e altas árvores se mexendo sem cessar lá fora.

Por uma fração de segundo, achei ter visto um vulto na chuva. Me encarando entre as folhas das árvores. 

Inevitavelmente pensei ter me confundido. Mas o incômodo que persistiu depois disso, não poderia ser negado.

Nem se eu tentasse...

𝐿𝑜𝑏𝑜 𝑒𝑚 𝐴𝑧𝑢𝑙 𝐸𝑠𝑚𝑒𝑟𝑎𝑙𝑑𝑎Onde histórias criam vida. Descubra agora