Destroços

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Meu corpo parece nunca parar de afundar no sofá. O acolchoado me abraça forte me impedindo de levantar. Estou há tanto tempo sem sair daqui que nem sei se conseguiria. A verdade é que não. Não tenho força alguma. Quantos dias estou sem comer? Não me importa mais. Nada mais é importante e talvez eu morra antes que qualquer coisa faça sentido novamente. Eu sequer sei se continuo existindo. Acho que não estou na verdade. Parte de mim morreu naquele dia. Minha melhor parte. O resto que sobrou é lixo e pode ser descartado qualquer hora. Mas nem tenho forças para acabar com essa agonia. Parece que depois do ocorrido, eu me fundi a esse sofá. Não importa quanto tempo passe, eu me engaiolei àquele momento. O momento imediato após o Dia. Não consigo nem dizer quanto tempo faz. Perdi a noção do tempo quando parei de dormir. Não posso.

Levo o panda vermelho de pelúcia para próximo do meu rosto. Era seu panda. Ainda tem seu cheiro. Pelo menos, por enquanto. Fecho os olhos por alguns segundos, seu cheiro me acalma. É como se ainda estivesse aqui, perto de mim, enquanto víamos TV ou conversávamos sobre alguma bobagem. Quase posso ouvir sua risada. Mas sua risada doce me faz abrir os olhos de forma abrupta. Eu procuro por você, na esperança de ser tudo um pesadelo, mas você não está aqui. O pesadelo é real. Essa cena se repete todo dia e noite. Sempre que fecho os olhos escuto uma risada de criança, às vezes, seus pés pequenos correndo pela casa, porém quando os abro, não há nada além de um panda vermelho. E eu me encontro diante do fato que minha criança se foi.

Não importa o quanto eu tente me rebelar contra essa dor, tudo que me resta é pensar no meu bebê. Seu rosto, sua risada, seus pés, seus abraços, suas birras... Não importa quanto eu tente, sempre acabo pensando em você. E não importa o quanto eu tente evitar, acabo me destruindo cada vez mais. Todo meu corpo dói só de pensar no seu nome. O nome que com tanto cuidado escolhi enquanto esperava sua chegada. O nome que disse com orgulho no batismo. Chamei em fúria nas broncas. Convoquei com doçura para as refeições. Disse com ternura enquanto consolava o choro. E que, no Dia, berrei em plenos pulmões antes de escutar o som do fim.

Eu corri tanto quanto pude em sua direção. Abracei como pude. E aquele pequeno ser que tinha aberto os olhos a primeira vez nos meus braços, fechou-os pela última vez no mesmo lugar. Não pude fazer nada. Não pude impedir. Eu fracassei em proteger a pessoa mais importante da minha vida. Foi tudo culpa minha. Se eu tivesse sido melhor, você estaria aqui. Se eu não tivesse desviado o olhar, você estaria aqui. Se eu não tivesse me distraído com aquele livro por 10 minutos, você estaria aqui. Se eu não tivesse sido tão irresponsável, você estaria aqui correndo para pegar sorvete na geladeira. Para assistir desenhos na TV com a cara lambuzada. Para eu te lembrar de escovar os dentes antes de dormir. Para eu te entregar o panda. Para você abraça-lo como se fosse um escudo contra tudo. Para dizer "boa noite". Para dizer "eu te amo".

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⏰ Última atualização: Sep 05, 2020 ⏰

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