Eu

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Sentia o suor como uma máscara facial em minha face demonstrar meu cansaço e stress, contando os últimos cinco minutos ali na produção pelo fim do meu espediente. O macacão demasiado quente para o verão, touca prendendo meus cabelos e máscara me faziam sentir agonia e frustração pela vida que eu sonhava em ter, mas que não tinha nascido com os devidos privilégios.

Uma indústria de produtos eróticos era meu fatídico karma. O diretor da produção que não nos permitia ao menos dez minutos de café, me fazia sentir cada vez mais ódio e nojo daquele lugar que diziam se comparar às grandes indústrias; instaurando em si a Iso 9000... Tantas regras a seguir, tentando moldar a personalidade de cada funcionário, tentando uma lavagem cerebral de que aquilo era o melhor para todos, para nós... Que piada, nem os nossos feriados podíamos folgar: nosso incentivo era que quem não quisesse, era rua.

Tudo isso não passa de uma perca de tempo!

O que eu quero da minha vida enfiada num lugar como esse. Sugando minhas energias e resquício de sanidade?

No começo dei o melhor de mim. Minhas mãos ao final do dia estavam inchadas, vermelhas e com vários machucados de tanto fechar tampinhas. As costas, nem o digo: se comparar ao de uma pessoa de sessenta anos, não chegava nem perto de tanta dor. O psicológico então, era o pior.

Ainda sim me esforcei. Fui a mais hagil de todos os setores. Não é orgulho ou soberba, eu de fato era a mais rápida e obediente da linha. Em qualquer lugar que me colocassem eu me destacava: por sleev, passar lote, pegar no envase, completar caixas, tampar frascos... Deus, porque eu fui querer ser a melhor?

Porém meu bem, no momento, eu pouco fazia questão. Continuava hagil, mas não com tanto afinco como a quatro anos atrás, meses atrás.

Agora ali estava eu, sabia como preencher um aprovado, passar os resultados na lousa e nos cadernos ao registrar a produção diária da minha linha. Mas ali estava a nova líder do meu setor. Burra, mulher nojenta. Não sabe nem o que faz e ainda vem querer me dizer como fazer tais procedimentos.

Eu sabia cumprir o meu ofício, mas ali faltando cinco minutos para acabar o meu dia, me vi perguntando a mim mesma se deveria assinar com a quantidade de frascos da microbiologia ou não. Eu estava ficando louca. Olhei para meu colega que colocava frascos na mesa giratória e ele se encontrava na mesma situação que eu.

- Fernanda, não deixa bagunça aí pra turma que vai entrar no seu lugar.

- Já estou fazendo isso - respondi preenchendo o aprovado com uma insegurança que eu não sentia há tempos.

- Vê se não vai esquecer de preencher tudo e anotar a quantidade que vocês fizeram - falou ela aumentando o tom enquanto andava até a máquina próxima a minha.

- Já fiz isso.

Meu Deus, sei que pedi tanto para entrar aqui, mas começo a me arrepender.

Por fim o sinal tocou, era o meu fim enfim. E assim com o cú atravessado na garganta de tanto asco de mim e dali, bati o ponto podendo ir por fim ao vestiário me livrar daquele martírio.

•°•

Em casa após um longo banho, sentada em frente ao meu computador tentando estudar, ouvia minha mãe começar a falar mal de mim com minha irmã. Típico. Eu era a filha diferente da família. Minha mãe e minhas irmãs eram exatamente iguais em sentido de de limpeza de arrumação, mas eu não. Eu sou a cópia exata do meu pai que a tempos não visitava.

- Eu não me conformo, como pode ser tão porca - resmungou a matriarca batendo os objetos na cômoda, bem ao lado da minha mesinha. - Gente, como pode um ser humano desses ter saído de mim.

- Aí mãe, para de brigueiro - minha irmã defendeu-me, como em raros momentos que ela percebia que minha mãe passava dos limites. Se bem que eu nem ligava. Pelo menos não mais.

- Que para de briga, eu não me conformo. Você devia ir morar com seu pai.

- Se está achando tão ruim, deveria ter me trocado na maternidade.

Um instante de silêncio por fim, frio e acusador de mais, pelo menos assim a fiz pensar nas coisas que ela falava.

Veja bem, eu posso não ligar, mas foram tantos anos ouvindo tudo sempre calada, suprimindo aquilo pra mim mesma numa fase instável da adolescência, que quando deixei de me importar, eu simplesmente não conseguia ficar sem retrucar.

Ouça... Só porque a prioridade dela é a casa impecável, não quer dizer que a minha deva ser, ou que eu deva fazer isso só para agrada-la. Minha prioridade são meus estudos, meu futuro... E se eu não faço coisas nem para me agradar, quem dirá a terceiros.

Voltei a estudar, mas não era nem oito horas da noite quando fui me deitar. Afinal, eu devia acordar às quatro da manhã, pra entrar no serviço as cinco e só sair às cinco da tarde.

E era uma vez minha rotina.

Era uma vez EuOnde histórias criam vida. Descubra agora