Angel {camren}

CAPÍTULO 1

PARTE I

O sol ainda não havia nascido e Camila já estava de pé cuidando da pequena casa em que vivia com sua família. As madeiras estremeciam com os ventos do amanhecer e o chão de terra ainda estava úmido por conta do sereno da madrugada. Ela não havia dormido bem naquela noite incomodada com os pensamentos frenéticos de que precisava agir logo para tirar sua família daquela miséria e salvar sua mãe que não parecia ter muito tempo já que jazia doente em uma cama por meses.

 Quem nascia pobre tinha apenas duas opções: permanecer pobre ou se tornar ainda mais pobre. Camila sabia que vivia em um reino ainda razoável, já que ouviu histórias a vida toda sobre a grande guerra que estava destruindo lares e famílias ao redor do mundo. "Vida longa ao Rei Shawn!" - dizia ela - graças ao jovem rei, dotado de extrema beleza, o reino Peterdes se encontrava longe das movimentações sangrentas do conflito. Ou assim pensava. 

Com um pouco de força abre a porta apodrecida e observa o céu ainda escuro com pequenas faixas claras ao fundo. Ela concerta o vestido fino de cor azul seco que descia até seus pés descalços sentindo a brisa gelada. Caminhando entre a grama molhadinha ela agradece por morar longe do centro onde pessoas se movem em ruas lotadas de excrementos de animais e até humanos. "Nojento" - ela relembra o odor horrível. Não muito longe ela recolhe as lenhas escondidas na carroça e as leva para dentro, colocando tudo no fogão feito de barro para aquecer a água e já preparar a refeição do dia. Ela se pega imaginando quantos banquetes uma princesa possuí em um único dia. Bom, ela as vezes tinha duas refeições quando sobrava sopa ou quando seu pai trazia uma caça milagrosa, ele não era um bom caçador, seu velho passava a maior parte do tempo nos campos de trigo, colhendo e colhendo sem parar toda aquela comida que eles nunca iriam se alimentar. Seus pensamentos sobre uma linda mesa recheada de frutas e pães é atrapalhado por um vulto atrás de si.

_ Sofi? O que faz acordada esse horário?- sua irmã estava de pé junto ao fogo com um vestido idêntico ao dela.

_ Mila, eu quero ajudar você a cuidar da casa e da mamãe... - a pequena fala baixinho olhando para o cômodo de porta aberta; aquele é na verdade o único quarto da casa, onde todos dormiam em camas improvisadas de palha. 

_ Você já faz o suficiente minha flor! - Camila aperta as bochechas fofas de Sofia. Enquanto as crianças com linhagens reais brincavam e aprendiam sobre alta costura, as pequenas plebeias ajudavam a família e algumas já trabalhavam pesado em campos colhendo o dia todo ou vendendo tralhas no centro por poucas moedas. Sofia se enfeitava toda para cantarolar na porta de tabernas onde viajantes paravam para descansar e tomar hidromel na esperança de receber uns trocados. 

_ Mas, eu quero! - Ela trança os braços fazendo cara de decidida e Camila sorri com aquela cena. 

_ Tudo bem! Tudo bem! - ela levanta os braços fingindo estar convencida. - Vá até a casa de Ally buscar as ervas para o remédio de mamãe antes que ela volte para o castelo!

Sua irmã sorri e sai disparada feliz em ajudar. Ally era uma baixinha muito esperta que havia crescido com Camila, mas seguiu um caminho muito diferente de todos ali: ela se tornou a curandeira mais jovem e famosa da região e hoje serve exclusivamente ao castelo e seus nobres. Ainda sim , escondida, ajudava a tratar de Sinuhe que praticamente adotou-a: tudo o que Camila recebia, Ally também recebia. Ela agora mora no castelo, mas as vezes volta para casa trazendo moedas e notícias, deixando também sempre alguma ervas para a família Cabello.

Sofia não demorou muito e logo voltou com um saco de pano cheiro de folhas e raízes.

_ Você a viu Sofi? – Camila pergunta enquanto apaga algumas velas já que o céu rapidamente clareou.

_ Patricia me disse que ela saiu ontem antes mesmo de escurecer, mas deixou o saco com um bilhete... – ela conta mostrando o pequeno pergaminho. 

"FERVA O CONTEÚDO E A FAÇA TOMAR TUDO.

ESPERO QUE ELA ESTEJA MELHORANDO, LOGO TEREI TEMPO DE VÊ-LA PESSOALMENTE.

ESTOU COM SAUDADES.

- ALLY."

Camila suspira e guarda o pedaço de papel. Elas nunca ficaram tanto tempo sem se ver, a saudade realmente era grande, porém ela sabia que aquilo era necessário: se fosse ela com um grande trabalho em um enorme castelo, também não teria tanto tempo livre.

_ Será que ela poderia me levar junto para o castelo um dia desses? – Sofia pergunta esperançosa. – Talvez, eu encontre com a grande Halsey e ela me deixe cantar com ela para o Rei Shawn.

_ Talvez ela leve!- Camila tenta não estragar a fantasia da pequena. – Vamos fazer o caldo fedido? Vou precisar que tampe meu nariz... eu não quero perde-lo. – ela muda de assunto.

_ Acho que terei que segurar os nossos... – a risada das duas preenchem o silêncio.

Após alguns minutos o caldo estava pronto e elenão tinha uma aparência muito apetitosa. As duas caminham até o cômodo onde Sinuhe está deitada e se entreolham preocupadas. A pele pálida e os olhos fundos mostram que ela não está melhorando.  Os cabelos ralos estão molhados indicando a febre e algumas feridas aparecem com tons escuros de vermelho pelo corpo. 

_ Bom dia mamãe... - Sofia diz enquanto toca a mão gelada de sua mãe. 

_ Minhas meninas... - Sinuhe sussurra tentando abrir os olhos. 

Algumas lágrimas brotam dos olhos de Camila, não havia como não se emocionar com aquilo. Aquela mulher guerreira que estava sempre com uma energia radiante e sempre tão viva, agora está definhando em uma cama velha. Ela se pega rezando para que tudo melhore e que sua mãe retorne a ser quem era. 

"Que Deus me mande um sinal do que devo fazer..." - ela pensa servindo a inhaca fervida na boca de Sinuhe. - "Talvez eu deva procurar o Padre Austin amanhã"