Capítulo 2

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Ao passar a mão repetidas vezes por seu vestido azul escuro, sua palma já estava ficando avermelhada. Sentada na ponta de uma mesa retangular, Margo esperava ansiosamente pelo encontro. A comida já estava servida mas seu estômago estava tão embrulhado pelo nervosismo que ela nem havia tocado nos talheres. Como uma sombra saindo de um canto escuro o mago apareceu de repente em seu campo de visão, sentando-se a sua frente; ele usava uma túnica preta que cobria desde o seu rosto até seus sapatos o que deixava a menina ainda mais curiosa e talvez um pouco preocupada. Perto o suficiente para esticar a mão e tocar no homem, ela não conseguia sentir nenhum tipo de energia vinda dele. Era como se ele fosse apenas um humano comum. A confusão em seu rosto devia ser óbvia, pois o mago esticou uma mão e delicadamente encostou em um dos dedos da garota. O contato daquela mão gelada a fez ter um arrepio e como uma onda percorrendo seu corpo, sentiu o quão poderoso ele era. Interrompendo o toque, o mago começou a comer, sem se dar conta do quão estranho era para a jovem ver a comida desaparecendo dentro daquele gorro. Margo tinha tantas perguntas e um misto de sentimentos atravessavam sua mente. Um movimento sutil vindo da cabeça do mago a fez perceber que algo o incomodava, então, com uma voz rouca e um pouco grossa, seu sequestrador se dirigiu a ela pela primeira vez:

-Ora criança, pare de pensar em tantas coisas ao mesmo tempo; aprenda a organizar seus pensamentos e sentimentos. Achei que depois de tanto tempo aqui Mimi já teria lhe ensinado a esconder essas coisas.- E como que para aumentar o choque da garota, o mago retirou o capuz e revelou seu rosto. 

Seu rosto não era nada parecido com o que ela havia imaginado tantas e tantas vezes. Sua pele era clara como a neve, porém lisa, sem um sinal de ruga ou algo que indicasse sua idade; os olhos amendoados se pareciam com areia queimada pelo sol, e olhavam fixamente para ela; seus lábios carnudos esboçavam um pequeno sorriso no canto direito. Quanto mais ela olhava em busca de detalhes, mais o sorriso aumentava. Ele estava gostando dos pensamentos que sua mente produzia, mesmo que contra a vontade dela. Com certeza era um rosto bonito, e Margo estava caindo nos encantos daqueles olhos. E de repente, como um flash, ela viu o rosto de Oliver, e se recompôs. Limpando a garganta, ela colocou seu guardanapo no colo e começou a comer. 

O único som eram dos talheres batendo no prato e dos copos que eram levados à boca e devolvidos a mesa. Quando já estava satisfeita, Margo colocou seu guardanapo em cima do prato vazio e continuou a beber do vinho que era servido; e poucos minutos depois o mago fez a mesma coisa. Eles ficaram se encarando por longos minutos, até que a curiosidade da menina falasse mais alto que seu orgulho, o que a fez perguntar em voz alta:

-Qual seu nome? - E o mago respondeu depois de dar mais um gole na bebida.

-Creio que agora será o momento em que você me encherá de perguntas sobre quem sou e porque você está aqui correto? Bom, deixe-me adiantar algumas coisas para você minha querida. Meu nome é Kenneth, nascido do fogo, por isso meus poderes são conectados a natureza; minha idade é um número que pode te assustar, mas creio que Mimi já tenha lhe explicado como funciona os anos mágicos, portanto posso te dizer que hoje é meu aniversário de 130 anos. agora Margo, porque você está aqui e porque só hoje nós estamos nos conhecendo....

-Espere um pouco. Você não pode fazer isso. Jogar tantas informações e apenas continuar falando como se eu conseguisse processar tudo de uma vez. Eu já bebi mais taças do que deveria para estarmos tento essa conversa. - De acordo com a explicação da mentora, cada 50 anos que os magos passavam treinando e desenvolvendo seus poderes, era como se para os humanos passasse apenas 15 anos; isso porque os locais que eles se reclusam para tais estudos são carregados de magia que podem desacelerar ou acelerar o tempo para se encaixar na noção de tempo dos humanos. Perdida em seus pensamentos, Margo esqueceu que o mago podia ler sua mente, e só recobrou a consciência quando ouviu a risada de Kenneth (e que risada era aquela? ) Sua cabeça ficou entorpecida com o som que parecia uma melodia; seus dentes brancos a mostra, com os cantos da boca flexionados, era o som mais acolhedor que ela já teve o prazer de ouvir! E de repente, lembrou que havia pensado em como o mago era bonitão para 39 anos, e corou de jeito que deixava claro que era hora de afastar o vinho.

-E-eu não quis pensar nisso, só estava fazendo o cálculo da sua idade. E parabéns pelo seu aniversário. Você pode agora continuar de onde parou.. Kenneth.

-É claro, é claro! Me desculpe pelo riso, é raro quando conversam comigo, ainda mais me chamando de "bonitão"! 

-Eu não estava conversando com você, e não te chamei de nada! Você deveria parar de se intrometer nos meus pensamentos. - Falando isso, Margo cruzou os braços e sua expressão claramente era de indignação. 

-Bom, a culpa não e minha que você pensa tão alto. Amanhã Mimi irá te ensinar a controlar melhor isso. - E dito isso, seu sorriso foi desaparecendo lentamente, como se os seus próprios pensamentos tirassem a graça do momento.- Margo, o que vou dizer agora é muito sério, e preciso que você dê o seu melhor para tentar entender. Você está aqui para desenvolver seus poderes, é claro, mas o sequestro foi necessário para que conseguíssemos 100% da sua dedicação. Sem um ato que desencadeasse o uso dos poderes, você não seria capaz de usá-los; e o medo é o mais recomendado, mais do que a falsa felicidade.. -Agora ele a olhava no fundo dos olhos, com um ar de cansaço e pena. Ele tinha pena dela. Mas porque? ele achava que  vida dela antes era uma mentira? Uma falsa felicidade, como ele havia dito? 

-Não sei o que você quis dizer com falsa felicidade, mago - E essa palavra veio com mais desprezo do que ela esperava.- Eu era verdadeiramente feliz com meus pais e meu noivo. 

Kenneth parecia um pouco surpreso, mas depois de um gole de vinho, e uma longa suspirada ele voltou a falar. - Margo, eu sei que é difícil aceitar, mas gostaria que você fechasse os olhos por um momento. - E ele esperou pacientemente pela teimosia da menina, até que relutante, ela fechou os olhos. - Agora pense na sua infância, em todos os momentos alegres que pôde presenciar ao lado de seus pais. Quando conheceu Oliver, e quando sentiu que estava se apaixonando por ele. Todas as gentilezas que ele lhe fez... - Ao olhar para a menina, podia ver seus lábios levemente inclinados par cima, em um sorriso contido. - Agora, quero que se questione - E a testa da menina se franziu - sobre o motivo de você nunca ter saído de sua vila. De nunca ter ido mais longe do que Oliver te levava, e o porque seus pais nunca lhe falavam sobre viagens ou outros lugares além daquele que você nasceu e cresceu.

Sem entender onde ele queria chegar, Margo abriu os olhos e se deparou com o olhar do mago fixo em seu rosto, tentando decifrar toda fagulha de emoção que ela demonstrava. - Por favor, pare de me encarar. Não sei o que você quer dizer com essas coisas, não entendo o motivo de me questionar isso. - E então ela viu, rapidamente passando pelos olhos de amêndoas que a encaravam, um lampejo de desapontamento com ela. Mas ele logo se recompôs e suspirou.

-Vai ser difícil para você acreditar, mas a única pessoa procurando por você é o seu noivo, e não pelos motivos que você imagina. Assim que você nasceu, todos os grandes magos sentiram o poder que te acompanhava. Oliver foi um deles. Ele não é um humano, mas um mago que busca aumentar sua magia e tem sede de vingança. Se aproximar de você e te enfeitiçar, foi isso que ele fez. Se saísse de uma determinada área, seu poder perdia o efeito sobre você; seus pais também estavam sob o mesmo feitiço, por isso eles não comentavam sobre sair de perto de Oliver. Mas o feitiço afetou mais do que eu esperava, e você não consegue se lembrar. Seus pais não estão mais entre nós. Logo antes de Oliver pedir sua mão, ele percebeu que seu feitiço estava perdendo o efeito em todos, então por garantia, ele concentrou toda sua força em você, e se livrou de quem ele não conseguia mais controlar. 

-Pare! Pare agora mesmo com toda essa baboseira! Você está ficando louco? Só pode estar inventando tudo isso! Como você sabe dos meus momentos com Oliver? Como consegue saber o que aconteceu? Só pode ser através dos meus pensamentos. Isso. Foi por isso que me pediu para recordar! Para que você tivesse uma base nessa loucura toda! Eu falei com os meus pais logo depois do pedido. Não faz sentido. Nada faz sentido. - Margo não estava se sentindo bem. Por mais que ela não acreditasse na história que Kenneth a contava, algo dentro dela estava incontrolável. Um nó em seu estômago que não queria se desfazer; o vinho em sua corrente sanguínea; o espartilho do vestido um pouco mais apertado do que deveria (para boa impressão, dissera Mimi). De repente toda sua visão começou a embaçar e rodar, e numa tentativa falha de se levantar, ela estava prestes a cair, quando sentiu um toque quente e macio em sua costa. E a última coisa que Margo se lembra e de sentir o nó em seu estômago se desfazendo, e uma voz no fundo de sua mente dizendo "Durma e lembre-se!". E ela dormiu.

Maga dos sonhosOnde histórias criam vida. Descubra agora