Capítulo 5

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Margo acordou envolta em camadas de cobertas, com a cabeça apoiada em um travesseiro revestido com o mais fino tecido que ela já viu. No teto, ela podia ver desenhos e padrões se formando; aquele não era o quarto dela. Por um momento ela sentiu medo, e começou a se levantar lentamente para olhar ao redor. O cômodo era repleto de estantes com livros dos mais diversos assuntos  e em diferentes línguas também. Ela ainda sentia o corset lhe apertando, o que trazia um certo alívio; seu vestido estava pesado embaixo de todas aquelas cobertas, então ela se retirou da cama lentamente. Os pés descalços alcançaram o chão gelado e um arrepio percorreu seu corpo; seu olhar vagava pelo quarto em busca de seus sapatos, mas eles não estavam por ali. Aliás, onde era "ali"? Ela não se lembrava desse quarto. Nunca tinha estado nele, apesar de saber que ainda estava na propriedade mágica de Kenneth. O quarto não tinha janelas, mas um candelabro grande iluminava levemente o espaço. Margo começou então a andar pelo lugar, passando a mão nos livros empoeirados, tentando decifrar alguns deles, pois afinal, eram a única decoração dali; ela reconhecia alguns de seus estudos com Mimi, mas estes lhe pareciam mais velhos de alguma forma, apesar de bem conservados. 

Distraída com as estantes, ela alcançou um livro verde, sem título aparente. Sua capa era dura e de algum jeito ela podia sentir um poder emanando de seu interior. Curiosa com o conteúdo ela logo o abriu e folheou cuidadosamente as primeiras folhas. O papel tinha um cheiro familiar, mas ela não conseguia se lembrar de onde; a letra da escrita era leve e arredondada, um pouco inclinada, mas bem caprichosa. Mas ela não entendia o que estava escrito; parecia apenas letras soltas, sem ordem, sem vontade de formarem uma palavra, uma frase completa, letras embaralhadas; e então ela entendeu o poder que o livro emanava: era um feitiço! Um pouco complicado mas ela já havia aprendido sobre ele. E com um pouco de concentração, as letras começaram a rodar pela página, trocando de lugar, se reorganizando para enfim formar sentenças completas. 

Seus olhos passam rapidamente sobre a escrita, buscando entender por que um simples livro de histórias mágicas era protegido por um feitiço. Livros assim eram fáceis de se encontrar até mesmo em seu vilarejo; não havia nada de incomum neles, eram apenas contos de um passado esquecido, que muitas vezes nem aconteceram de verdade. Margo reconhecia o texto a sua frente; era sobre um jovem mago que se apaixonou por uma humana, e vice-versa. A garota passou algumas páginas afim de encontrar algo de diferente no livro. E quanto mais ela avançava, mais a escrita parecia triste, começando a lhe transmitir sentimentos; franzindo a testa ela parou em uma parte aleatória onde havia desenhos. Eram pessoas, e elas estavam se mexendo. 

Margo se sentou na cama e ficou observando as pessoas. Um casal se olhava com medo nos olhos; tentavam se esconder, mas sempre sentiam um mau se aproximando e mudavam o ambiente. Depois de pelo menos cinco esconderijos diferentes eles se abraçam forte e a jovem foge. O rapaz está sozinho, mas com medo pela garota. Em cena, outro garoto aparece, e a menina sente o ar saindo de seus pulmões com força. Ela reconhece imediatamente aquele rosto: é Oliver mais novo. Provavelmente antes de eles se conhecerem, mas Margo o reconhece de suas falsas lembranças. Olhando com mais afinco, ela percebe que sabe quem é o fugitivo: Kenneth. Ainda muito novo e assustado. Ele já dominava seus poderes, mas ainda não os tinha desenvolvido por completo. 

Os dois travam uma disputa de feitiços e desferem ataques um contra o outro. Oliver acaba atingido na coxa direita, onde a onda de poder deixa uma queimadura do tamanho de uma bola de futebol; Margo se lembra da cicatriz e pensa em todas as vezes que se lamentou pela história triste que o rapaz contava, sobre quando tentou salvar uma garotinha de um incêndio e acabou adquirindo a marca. Toda pena se vai, e agora ela torce para que tenha doído. 

A batalha parece ganha, com Oliver se esgotando rapidamente, tentando se curar e se defendendo dos ataques incessantes de kenneth, que esboça um leve sorriso, quase triunfante. Mas antes que o golpe final possa ser dado, ele sente uma presença se aproximando e desvia rapidamente. Ao seu lado, quase raspando seu rosto, ele vê uma bola de espinhos passando e ficando cravada a uma árvore. O jovem mago reforça seu escudo, mas ao se virar para enfrentar o segundo agressor, a surpresa fica estampada em seu rosto. É uma mulher; com um sorriso perverso no rosto, e em seus braços, a jovem que estava fugindo. 

Margo começa ver as bocas se mexendo, e de repente ouve vozes em sua cabeça. A primeira é de Oliver. - Por essa você não esperava não é mesmo mago? - Sua risada ácida carregada de maldade atravessa a mente da jovem. Os olhos de Kenneth estão fixos em sua amada, assim como os dela estão nos dele. A voz da mulher que a segura é forte e um pouco aguda. -Ora ora, vocês acharam mesmo que ele estava trabalhando sozinho? Até os maus merecem um pouco de compreensão vocês não acham? E quem melhor para nos entender do que nós mesmos?

As palavras começam a se confundir em sua cabeça, e as imagens começam a desaparecer. Margo tenta focar em destravar o feitiço que começa a se reinstaurar, mas sente uma pressão e percebe que não é o feitiço. Seus olhos se levantam e ela vê Kenneth a sua frente, com a expressão séria, olhando dela para o livro, ainda sem acreditar. Ele se aproxima dela com apenas alguns passos, e quando a toca, novamente com a mão tão fria que parecia um pedaço de gelo, ela já não está mais naquele cômodo desconhecido, e sim em seu quarto, parada bem no meio, sem livro, sem sapatos e sem entender o que aconteceu.

Maga dos sonhosOnde histórias criam vida. Descubra agora