Prólogo

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-Prólogo-

Até onde me lembro, eu nunca senti nada além de raiva e ódio.

Qualquer outra emoção, toda lembrança de amor, esquecida a muito tempo.

Eu estava tão cheio de tudo, o único significado da minha própria vida era para provar o meu pai errado, para provar que eu podia ultrapassá-lo sem seu maldito poder. Era um pouco irônico como eu desejava nada mais que cortar ele da minha existência, mas ele era a razão por trás de todas as minhas ações e o centro dos meus pensamentos.

Aquele bastardo: arruinando minha vida desde o primeiro dia.

Não é como se tivessem tantas pessoas na minha vida mesmo. Com a minha mãe fora, desde que Natsuo saiu para o colégio, éramos só eu e Fuyumi. Ela era ótima, provavelmente a única pessoa que eu tinha algum tipo de apego até aquele ponto da minha vida, mas eu não conseguia entendê-la.

Como ela tentava tanto para consertar nossa família? Qual é o ponto?

Já era, não sobrou nada para salvar ou consertar.

Depois que a mãe foi internada no hospital, nossa família estava se segurando por pouco, e depois que Touya fugiu ela se despedaçou completamente. Tentar arrumar aquela bagunça era perda de tempo e eu me senti muito mal por ela, me senti mal que ela estava perdendo o tempo dela tentando consertar algo que nem existia pra começar.

Mas nós viemos de cenários diferentes: mesma família, infâncias diferentes.

Estar completamente sozinho era normal para mim desde que eu era criança. Mas para Fuyumi foi diferente. Pelo que consigo lembrar, ela costumava se dar bem e jogar com Touya e Natsuo toda hora. Ela não estava acostumada a ficar sozinha como eu.

Não é como se eu precisasse de pessoas por perto mesmo.

Eu estava perfeitamente bem sozinho, sempre estive, sempre estarei.

Porquê se preocupar em fazer amigos? Trazer alguém pra baixo quando todos parecem se machucar ou ir embora o mais cedo possível? Porque passar pela dor no coração de novo e de novo se eu posso simplesmente ficar longe? Qual era o ponto de ter alguém na minha vida, se nem minha mãe pode me amar?

Não me entenda errado. Eu não a culpo por ter "cagado" com o meu maldito rosto, nem a culpava por nenhuma das palavras que ela costumava gritar para mim. Mesmo que eu não aguentasse olhar o meu rosto cicatrizado, eu sabia que não era culpa dela, era culpa do Endeavour. O abuso contínuo dele tornou ela insana, eu sabia disso bem. Eu entendia a dor dela muito bem.

"Por favor, pare de força-lo, ele só só tem cinco anos!"

"Ela já tem cinco anos! Saia do meu caminho!"

Talvez eu podia ter engolido o choro é tentasse mais. Talvez se eu só tivesse aguentado a dor ao invés de correr chorando pra ela toda hora, ela podia ter ficado. Talvez eu pudesse protegerá de algum modo, eu podia ter sido seu herói, mas eu não fui, e ela foi levada embora, foi tudo minha culpa.

Mas mesmo se ela não tinha a intenção de me machucar, mesmo se ela se desculpasse e tentasse consertar, eu não conseguia perdoa-lá. Mesmo depois de 10 anos, eu ainda tenho medo dela...

Eu não acho que eu vou esquecer aqueles olhos enquanto eu viver...

A cicatriz no meu rosto não parece ajudar a esquecer.

Meu velhote parecia odiar meu rosto também a esse ponto, mas ele sempre esteve muito focado em me treinar para se preocupar em notar meus sentimentos ou me confortar. Ele não disse muito quando comecei a cobrir minha cicatriz com maquiagem sempre que eu saia de casa, na verdade ele parecia até estar gostando disso, provavelmente porque ele não queria que as pessoas soubessem o quanto horrível ele realmente era.

Eu nao consigo nem me lembrar a última vez que eu vi minha mãe sorrindo; Eu nem me lembro se ela já sorriu em geral. Eu nao me lembro de ver ninguém da minha família sorrindo quando eu estava por perto. E é extremamente triste saber que você é a pessoa que separou sua própria família...

O último sorriso que me lembro foi do Touya, e nao foi nem um sorriso real.

"Eu sinto muito, Shoto"

"Não vá"

"Eu vou voltar pra você, vai ficar tudo bem, nao se preucupe "

Eu me segurei nessas mentiras por anos mas ele nunca veio, e nunca melhorou, se qualquer coisa, piorou. Ele era um --- esperto! Ele simplesmente decidiu arrumar as coisas e nos abandonar. Ele foi pelo caminho fácil pra fora dessa bagunça e não tem nenhum dia que eu não o invejo.

Eu pensei em seguir os passos de Touya e fugir também mas então; o que seria da Fuyumi?

Ela era a única pessoa me mantendo nessa casa, me mantendo vivo. Eu desejava estar morto várias vezes, esse também seria o caminho fácil. A final de contas, se eu desaparecesse quem ligaria? Não tinha muito que deixar pra trás, só alguns irmãos que talvez não ligarem se eu estivesse vivo ou morto.

Mas eu não queria desistir tão cedo, não parecia justo.

Eu não conquistei nada até agora, tambem nao achei um sentido pra minha vida, e se eu realmente sumir em algum ponto, eu ao menos desejava que toda a dor que eu passei tivesse um motivo.

Não importa como toda a dor me fez dormente e sem emoção, não importa o quanto machucado emocionalmente eu estava, eu queria que minha vida tivesse um significado.

Então eu continuei fazendo a mesma rotina, dia após dia.

Acordar, tomar banho, esconder minha cicatriz, comer, ir para a escola, ir para casa, aguentar o treino, comer, dormir. Repetir.

Eu continuei me segurando nas últimas palavras do Touya:

"Vai ficar tudo bem, eu prometo"

Eu continuava dizendo isso a mim mesmo, mas não importava o quanto eu tentava, com cada dia que passava, parecia que a chance de ficar bem estava abaixando até a hora de não existir mais a chance de ficar bem. 

Fogo e Gelo [TodoDeku] (Português)Onde histórias criam vida. Descubra agora