Música sugerida:
O que dizer de você - OutroEu.
========================================================== ====
Moreré, Ilha de Boipeba, 2024.
Você se remexe de leve, enquanto seus grandes olhos verdes vão se abrindo lentamente, tentando se ajustar a claridade que invade o quarto. Uma nesga de sol atravessa a cortina branca, rasga o teto do cômodo de uma ponta à outra - como faca afiada cortando uma fruta madura pelo meio, sem qualquer cerimônia - e morre na porta fechada que dá para o banheiro da suíte.
Suas mãos tateiam delicadamente o espaço ao seu lado, esperando se deparar com o corpo grande e quente que ela conhece muito bem, mas tudo o que encontra é um vazio frio de lençóis desarrumados. O par de pupilas cor de musgo são abertos totalmente, ao mesmo tempo em que você franze as sobrancelhas bem feitas, constatando aquela ausência inusual e se perguntando aonde seu marido - ainda avesso ao despertar matinal de supetão, mesmo depois de dois anos sendo acordado por choros e vozes infantis nas horas mais impróprias e improváveis - está.
Na mesa de cabeceira, o relógio marca 5:30 da manhã; o que não só te faz bufar, mas causa ainda mais estranheza. Ambos se dividem nos cuidados com a pequena durante a madrugada, mas também é fato que você escuta muito bem os sinais de alerta que sua filha emite para avisar que está com fome, sono ou simplesmente afim de despertar. E isso pode acontecer a qualquer momento do dia ou da noite. Só que não aconteceu.
(Ou você não ouviu. O que dá no mesmo, nesse caso)
Você afasta o lençol e se levanta da cama. Se ele acordou, é mais que provável que a pequena já está desperta e em breve vai exigir a atenção dos dois; e se perdeu o sono, não custa nada se juntar a eles e começar a rotina matinal. Afinal de contas, humanos com menos de três anos não se importam nem um pouco com finais de semana em pousadas aconchegantes e com comemorações pré-nupciais agitadas. Nem com o cansaço de pais que se declaram verdadeiros amantes de festas e "inimigos do fim" de todas elas - inclusive, desde que ela chegou, você passou a entender o motivo de Bruno ir embora dos rolês mais cedo para dormir de conchinha com Yanna e as crianças. E passou a imitá-lo também.
(A língua existe para muitas coisas, você constatou ao longo dos últimos anos, principalmente depois que virou mãe, e uma delas é para pagar por tudo o que é dito antes da efetiva maternidade)
O corpo, ainda com sinais de uma pontinha de ressaca, range, mas você consegue se colocar de pé com maior agilidade do que pensava ser possível para alguém que consumiu quase que seu peso em coquetéis diversos à base de gim e frutas variadas. Por alguns segundos, seu cérebro te faz questionar o motivo de ter bebido tanto, tendo parido um despertador em forma de gente, só que o pensamento vai embora do mesmo jeito que chegou. A resposta é simples: não é sempre que as pessoas se casam, então é preciso celebrar - mesmo que sua filha te acorde antes do nascer do sol depois disso, ainda vale a pena.
E a comemoração terminou em grande estilo para você, como sinaliza seus cabelos ainda úmidos pelo banho compartilhado com o marido tarde da noite, presos rapidamente num coque mal feito depois de se levantar, e uma das camisas pretas dele cobrindo somente partes essenciais de sua pele.
(Ah, os "chás" da madrugada...)
Cruzando a porta, você nota que o quarto reservado à filha está vazio, assim como a sala e a mini cozinha do chalé. Os únicos barulhos que podem ser ouvidos é o das ondas quebrando na praia ao longe, o de cortinas farfalhando sob as janelas que circundam a construção e o de risadinhas adulta e infantil que invadem a sala de estar através da porta de vidro escancarada da varanda.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O que dizer de você?
Roman d'amourO que dizer de você Sempre é tão certo Não tem ego, não Só tem você. O que dizer de você sempre estar aqui? Mesmo quando fecho você vem abrir, meu sorriso Sei que vai ser seu, nada disso é meu Sei que vai ser seu sempre, sempre (O que dizer de você...