Capitulo III - O Livro das sombras...........................166

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      Espreguicei na cama, esticando bem os braços. O Sol entrava pela janela harmoniosamente. Percebi  movimentos no quarto e levantei a cabeça para ver quem era. Maria estava arrumando as malas para o nosso retorno para casa. Decidi ficar mais um pouco na cama, pois precisava pôr as minhas ideias em andamento.

Durante aquela noite, tive sonhos que mudariam minha vida. Sonhei com todas aquelas bruxas que estiveram presentes na minha viagem, inclusive a minha ancestral. Elas vieram em meus sonhos para me mostrar os símbolos e a história da magia. Eu precisava contar para Maria, mas teria que ser prudente, pois as bruxas do meu sonho não me deram permissão para que eu contasse alguns segredos que elas me revelaram.

O sonho que tive deu-me a sensação de ser real. Participei de uma espécie de cerimônia religiosa, e as bruxas fizeram-me jurar que guardaria segredo de algumas coisas que me foram reveladas. Sonho ou realidade, eu não poderia trair minhas irmãs de alma, pois me tornei parte de um grande clã.Nunca me arrependi de ter escolhido o caminho da Lua como uma opção de vida. Ter-me tornado uma bruxa foi uma grande honra.Eu estava pronta para assumir qualquer responsabilidade que surgisse.

Mas, por outro lado, tinha a certeza de que, se eu traísse as leis da ordem, pagaria um preço muito alto. A minha maior preocupação naquele momento foi de, sem querer, trair a mim mesma. Porque conseguimos esconder segredos das outras pessoas, por uma questão de ética, moral e fidelidade – mas, sem querer, por causa da nossa vaidade, traímos a nós mesmos. Isso acontece porque, atrás da nossa felicidade, sempre vem o exibicionismo de querer parecer melhor do que os outros. O meu sangue jovem corria em minhas veias como as larvas de um vulcão pronto para explodir. Minhas emoções estavam à solta - isso poderia ser perigoso, caso a vaidade tomasse conta de mim.

Sabia que, se contasse a Maria, poderia com certeza contar com a sua discrição. Mas eu havia feito um juramento de silêncio e não poderia nunca quebrá-lo. Isso sem contar que Maria poderia falar sobre o meu segredo com o meu pai, caso ela fosse interrogada. Pois, assim como eu, ela fez o juramento de nunca mentir.  Portanto, de jeito algum eu poderia colocar a vida da minha melhor amiga em risco. O meu maior objetivo, então, passou a ser como proteger Maria sem que ela soubesse e ficasse magoada comigo, por estar lhe escondendo um segredo.

Meu tempo estava curto, pois meu destino estava pronto a se consumar. Senti-me como o mestre Jesus, que soube exatamente quando iria ser entregue nas mãos de seus algozes. A traição é uma ferida que chega antes que o coração pare de funcionar, e faz doer na alma por toda a eternidade. Não sabia quem iria me trair, mas sabia que seria alguém muito próximo a mim. Porque sempre quem nos trai são as pessoas mais próximas de nós, as que mais amamos e em quem confiamos. Pessoas como Judas Escariotes, quetraiu Jesus com um beijo. Geralmente, os traidores são pessoas que só conseguem ver um lado da moeda, e cuja ambição é o único valor que conseguem enxergar. O traidor é individualista: maquina sozinho e não pede ajuda para enfiar o athame do ódio no coração do seu alvo. E é egoísta porque não vê que o seu próximo também é um indivíduo e que merece respeito por ter suas próprias ideias.

De repente, senti-me frágil e indefesa por ter me descoberto tão perto da morte. Esse seria o meu preço a pagar: teria que viver no silêncio e na solidão para o resto da minha vida. Embora sempre tivesse sido uma pessoa solitária, agora era diferente. Pois eu guardava segredos que, se pronunciados em voz alta, colocariam em risco a vida de todos que eu amava e também de todos que me cercavam.

Tinha muitas ideias a serem colocadas em prática, mas tinha que ser cautelosa, porque, além de o tempo estar curto, poderia acabar sendo mal interpretada pelas pessoas próximas a mim. Quando nossas ideias e opiniões tornam-se diferentes das ideias e opiniões dos demais, podemos ser considerados loucos. O que não quer dizer que temos que seguir a regra da mesmice - afinal, a única opinião importante é a da nossa consciência. 

O SEGREDO DOS GIRASSÓIS - O DIÁRIO DE ANNA GOLDINWhere stories live. Discover now