XIX & XXI

World of pure imagination

 A imagem que se seguiu foi de lindas telas emolduradas e delicadamente dispostas nas paredes daquele cômodo enorme.

'' Oh meu deus, tu pintaste todos esses quadros''

''Sim''

 Os quadros contavam histórias, e eu queria saber todas elas, vez ou outra indagava algo sobre os desenhos.

'' Os artistas contam poesias ou cantam músicas, eu pinto quadros ''

 Meus olhos se fixaram em um lindo pôr do sol visto de uma janela com cortinas esvoaçantes de seda

'' Onde pintaste esse pôr do sol tão colorido? '' perguntei.

'' No casarão de minha família em Florença, o lugar onde nasci e fui criado '' disse ele.

 Apontei agora para uma imagem de um lago em que um homem estava debruçado sob o leito do mesmo olhando seu próprio reflexo nas aguas cristalinas.

'' Este aqui, conta história de Narciso? '' Valentim sorriu e divertidamente me respondeu com um acenar de sua cabeça.

 A delicadeza dos traços era impecável em alguns quadros, já as cores de outros formavam uma distinta e caótica peça como o de um retrato de uma jovem senhorita com seios fartos e olhos claros de cor de mel, em um quarto decorado alegremente, e suas roupas eram vermelhas e rosas, um belíssimo vestido digno de uma rainha, a joias que adornavam seu pescoço eram lindas e fiquei alguns segundos observando-as e acho que até conseguiria distinguir quais as pedras daquele colar, mas Valentim pensou que talvez eu estivesse me apaixonado pela imagem pois disse.

'' Devo ficar enciumado? '' Ele disse e riu, uma risada leve e me fez sorrir e olhar de novo para a pintura, mas ao voltar a observar sua face via que estava triste e minha curiosidade falou mais alto que meu decoro.

'' Esta es tua Elisabeth? '' perguntei baixo quase inaudível.

'' Por qual motivo deduz isso? '' ele sorriu amargamente como se nem toda a terra tivesse ar suficiente para ele respirar.

'' Vossa mercê olha com ternura para essa jovem '' ele olhou para os próprios pés e eu decidi não insistir já que a resposta estava implícita. Ele apontou para as telas ainda brancas e imaculadas, no chão encostadas em uma das paredes.

'' Tenho muitas telas que precisam de uma história '' Valentim veio a mim e segurou delicadamente minhas mãos '' Algum dia espero ter o prazer de pintar um retrato seu, Filippo '' Não pude mais olhar em seus olhos pois a vergonha já havia me tomado, assenti com a cabeça e ele começou a me puxar enquanto dizia.

'' Vamos meu caro, a senhora Antonella está na cozinha e tenho certeza que adoraria conhecer vossa mercê ''

 Ainda segurando em uma das minhas mãos ele me conduziu escada a baixo, o contato mesmo que singelo poderia fazer o meu teimoso coração bater descompassado. Andamos devagar até a cozinha, mas o aroma adocicado de bolo estava no ar muito antes de nos chegarmos de fato lá, ele estava me contando que senhora Antonella era a única empregada da casa que havia se mudado junto a ele, pois ela havia cuidado dele desde quando ainda era uma criança de colo e disse também que era uma grande amiga de sua falecida mãe, isso fez com que ela ganhasse meu apresso.

'' Olá patrone, e quem é você querido? '' ela disse se dirigindo a mim.

'' Este, senhora Antonella, e um convidado muito ilustre, ele é o filho do D'Agostini'' ele abriu espaço para que eu pudesse me apresentar, me inclinei levemente e disse.

'' Meu nome é Filippo é um grande prazer conhecê-la ''

 Depois de me apresentar e comer um pedaço do delicioso bolo de fubá com goiabada eu e Valentim percebemos que já estava tarde porem o céu estava se transformando em uma tela com nuvens escuras, e como havíamos imaginado se tornou rapidamente uma tempestade de verão com muitos trovoes o que fez com que Valentim tomasse a difícil decisão de me impedir de voltar para minha casa naquelas circunstancias. Eu protestei de todas as formas explicando que não poderia ficar mais pois meu pai ficaria preocupado, mas nada adiantou, Valentim estava irredutível, e além do divertimento em sua face eu via também preocupação o que me fez aceitar e permanecer ali até a chuva passar.

 Sentamos em silencio na sala de música no segundo andar, o candelabro iluminava parcialmente o ambiente, o piano marrom escuro envernizado me chamava muito a atenção em meio as enormes prateleiras que continham livros e mais livros, e várias partituras de músicas desconhecidas por mim.

'' Gostaria de te ouvir cantar algo '' disse ele se ajeitando no banco de madeira igualmente escura a do piano, tomei coragem e me sentei a seu lado.

'' oh não, seria uma tragédia '' eu disse em meio a uma divertida risada.

'' por qual razão meu caro? '' uma das notas do piano foi tocada pelos seus dedos, solitária e melancólica como tudo soava quando tocado em um piano.

'' Você se apaixonaria '' um pequeno flerte não iria ofender aquele distinto senhor a minha frente, eu já havia entendido a forma como ele se portava, ele adorava com toda certeza todo aquela situação.

 Suas mãos ágeis começaram a tocar as pesadas teclas que se transformaram música conhecida por mim, em minhas faces o medo de cantar errado, sendo percebido pelo mais velho que em um inglês firme deu início a canção que tinha várias versões pelo mundo.

'' Come whit me and you'll be '' ele começou cantado para me deixar tomar a música em meus lábios.

( Venha comigo e você estará...)

'' in um mondo di pura immaginazione '' segui cantando em italiano.

( Em um mundo de pura imaginação)

 A música seguiu doce e com notas claras com risadas vez ou outra quando eu errava a letra até um momento em que ele teclou uma nota como se tivesse esquecido o resto da música, deixou suas mãos irem lentamente a pequena flor em um vaso delicado e pequeno que decorava o piano, enquanto traços da última nota ainda se faziam presentes, retirou a flor e voltou a cantar baixo.

'' if ou want to view Paradise, Simply look around and view it ''

(Se quiser a visão do paraíso, simplesmente olhe a sua volta e contemple)

Ele esticou o braço para conseguir colocar a pequena flor no bolso do meu terno.

'' anything you want to, do it ''

(tudo o que você quiser fazer, faça)

'' want to change the world? ''

( Quer mudar o mundo?)

'' There's nothing to it...''

(não a nada que se oponha a isso)

 Sua voz gentil e seu gesto fizeram meu coração bater descompassado mas não seria a primeira vez que eu começo a ceder aos encantos de uma sirena. Mas essa era a primeira vez que alguma chegava tão longe, eu estava acostumado a observa-las de longe e em segurança, não sabia até onde aquele homem a minha frente estava agindo de boa-fé, não sabia se seus olhos estavam enevoados de sentimentos ruins ou se simplesmente o tom âmbar estava brilhando em desejo.

 Não podia nem pensar em comentar esse tipo de coisa com alguém, se alguma alma visse aquele flerte, mesmo que inocente de nossa parte, seria meu fim, eu ficaria como motivo de chacota na cidade de Verona. Isso fez com que eu quisesse me afastar sair daquela sala encantadora fugir desse homem, e meu primeiro impulso foi me levantei e pedir educadamente para que ele me levasse a casa de meu pai, sua face escureceu, seus olhos que estavam brilhando se voltara para as teclas do piano, e ficamos sem se olhar em alguns segundos de silencio, até o momento em que ele se levantou e sem me tocar, me conduziu ao andar de baixo, a chuva havia passado o tempo estava escuro e nublado, mesmo que não passasse das 18 horas da tarde. Seguimos em silencio para fora daquele casarão quando ele me ofereceu ajuda para subir na carruagem sem olhar em meus olhos, ele olhava para minha mão agora junta a dele eu não podia entender a melancolia que havia se instalado no ar, os gestos se transformaram em uma interação forçada, o que me fez igualar Valentim a uma criança contrariada, sua infantilidade a lidar com a rejeição de suas ações me deixou um pouco irado, ao entrarmos na carruagem ele sentou de frente para mim, olhando para a pequena janela que deixava entrar um feixe de luz que iluminava parcialmente sua boca e parte de seu pescoço e eu me prendi aquela visão sem que ele pudesse se desvencilhar dos meus olhos, por várias vezes ele olhava para mim e desviava o olhar, minutos antes de chegar na minha casa ele olhou para mim e as palavras que se seguiram foram totalmente inusitadas principalmente para mim...

 Pois as palavras saíram da minha própria boca.