Hipocondria Parte 1

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-Escuta, Beatriz. – A porta foi aberta com força e Dona Jô entrou no quarto da filha tão rápido que a garota não teve tempo nem de desligar o celular antes que sua mãe o tirasse de sua mão. – Você sabe o que significa o nome Beatriz?

A revirada nos olhos de Beatriz só fez com que sua mãe ficasse com ainda mais raiva da garota que ainda estava na cama as 14:00 de uma quarta feira. “Quem traz felicidade. ” Foi o que as duas responderam em uníssono, enquanto a garota dizia a frase com tédio, a mãe a citava com fervor.

- Eu entro nesse seu quarto e não vejo um pingo de felicidade, só uma garota que fica na cama o dia todo e esse fedor de roupa suja. Quando foi a última vez que você limpou esse quarto nojento, Beatriz?

Dona Jô só faltava soltar fogo pelas ventas. Não era por que a garota estava de férias da escola que podia ficar trancada no quarto fazendo nada o dia inteiro, ou podia? A resposta “eu estou de férias” que Beatriz deu não foi o suficiente para amenizar os ânimos com sua mãe.

- Vai tomar um banho que eu quero que você vá na farmácia pra mim, e não quero ninguém falando que você é fedida e eu não sei cuidar dos meus filhos.

- Mas mãe, por que não pede pro Bernardo? – Beatriz levantou de vez da cama, sentindo a vertigem costumeira de sempre que se movia rápido demais. – Ele também não tá fazendo nada.

O olhar que Dona Jô deu a filha foi a cartada final para que Beatriz levantasse e fizesse o que a mãe estava mandando, indo direto pra debaixo do chuveiro. Se tinha que fazer o que os outros queriam, que assim fosse, mas seria do seu jeito. O tempo que a garota demorou no banho dava pra ter ido e voltado da farmácia três vezes, mas Dona Jô não reclamou, já era um milagre a garota ter saído do quarto pra algo que não fosse comer depois de quatro dias nessa rotina.

Depois de finalmente colocar uma blusa de frio preta com gola branca e um jeans que tinha ficado um pouco mais apertado desde o início das férias, Beatriz prendeu os fios ralos e finos de seu cabelo loiro em uma trança por cima de seu ombro e saiu de casa.

O sol brilhava no topo da cabeça de Bea, mas o dia não estava quente, as poucas árvores da rua dos Jacarandás balançavam de um lado para o outro no ritmo do vento junto com a trança que batia várias vezes no pescoço da garota. Ela agradeceu a todos os deuses por não ter saído de saia naquele dia.

A farmácia não era longe, só uns cinco quarteirões de distância do sobrado verde em que Bea morava, mas para a vida sedentária que ela vinha levando, aquele misero caminho a fez ter que parar algumas vezes para recuperar o ar perdido. Tinha que se lembrar de voltar para a natação quando as aulas voltassem, isso se ainda coubesse no maiô de natação do ano anterior, por que sem chances de os 5 quilos a mais passarem despercebidos pelo instrutor de natação e as colegas de turma.

Beatriz poderia achar estranho o fato de terem tantas garotas na fila do caixa da farmácia se não estivesse tão concentrada tentando lembrar da senha do cartão de crédito, passando direto pelas prateleiras até chegar no fundo, onde conseguiria pedir o remédio que sua mãe precisava.

Com certeza a garota não teria ficado ali se tivesse realmente visto o tamanho da fila, mas já tinha pego o remédio e nada podia fazer, a não ser esperar sua vez.

Quando Bea se tornou a terceira na fila, finalmente entendeu por que tantas garotas esperando para serem atendidas, comprando coisas que poderiam comprar no mercado, mas visitando a farmácia só para ver o novo bonitinho do caixa. Os olhos que Beatriz não conseguiu definir se eram verdes ou azuis contrastavam com o cabelo preto usado pra cima, quase como em um topete, formando algumas ondulações soltas na cabeça do menino. Além da boa aparência, o garoto ainda tinha bom gosto usando um moletom preto com uma frase de uma das músicas favoritas de Bea.

Quando chegou sua vez de ser atendida, Beatriz começou a sentir algo super estranho acontecendo. Conseguiu demonstrar normalidade na frente do garoto mas por dentro sentia seu estômago revirar, sua cabeça começava a apresentar sinais de tontura e seu coração batia tão rápido e tão forte que ela acreditou que todos ali poderiam ouvir.

Ao ouvir o “tá tudo bem?” do garoto a sua frente, com o braço estendido esperando que ela pegasse a sacola,  a única coisa que pôde fazer foi pegar a sacola da mao dele com uma rapidez incrivel e sair correndo daquela loja, para que outras garotas pudessem sentir o prazer, ou o pavor, de serem atendidas por aquela belezura, antes que tivesse um pirepaque ali mesmo e tivesse que sair carregada por uma ambulância.

Era melhor ir embora enquanto ainda tinha dignidade.

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