Enjoo, tontura, arritmia e tremedeira. Esses foram os sintomas que Beatriz pesquisou no Google assim que chegou em casa. "Insuficiência Cardíaca" foi o que apareceu. O que era compreensível graças a vida sedentária e o aumento de peso que Bea teve durante aqueles dias. Ela estava se sentindo muito bem, obrigada, pelo ganho de peso nos últimos dias nunca foi super magra, mas sentia que poderia ter mais "lugares onde pegar", mesmo não tendo ninguém que a pegasse.
O problema era adquirir alguma doença junto com o aumento de peso. Já tinha ouvido dizer de algumas pessoas que engordavam de mais e tinham graves problemas no coração, além dos "profissionais" de Internet que adoravam listar doenças que vinham juntos com o ganho de peso excessivo.O pavor foi começando a tomar conta de todo o 1,67cm que Beatriz tinha de altura, se assustava só em pensar que precisaria ir no médico e fazer vários exames.
Insuficiência cardíaca poderia se tornar um problema grave caso não fosse tratado e ela queria resolver tudo naquele exato momento, sem precisar esperar uma luz divina (ou médica).
Porém, como nem todo desejo se torna realidade e sua mãe entrou no quarto e viu a tela do computador no momento em que Bea estava lendo sobre o tal problema, seu pesadelo se tornou real quando a jovem se viu dentro do carro, prendendo o cinto de segurança antes que sua mãe desse partida em direção ao hospital do convênio.As coisas não aconteceram exatamente como Beatriz imaginou, não foi um completo terror cheio de agulhas e exames de toque. O médico apenas marcou alguns exames e prescreveu alguns suplementos alimentares para ela tomar enquanto não completava todos os exames necessários. Não poderia fazer mais que isso afinal, duvidava que uma garota daquela idade e tamanho tivesse insuficiência cardíaca, mas os jovens dessa geração estão sempre pensando em manter um padrão de corpo inconsistente e acham que qualquer coisa fora do normal já é sinônimo de doença, então de nada poderia fazer.
Dona Jô não queria mais ter que sair de casa durante a semana então já decidiram ir direto a farmácia comprar os remédios receitados, poupando tempo e energia para as duas.
Chegando na farmácia, Dona Jô estacionou o carro e mandou a filha ir sozinha buscar os remédios. Ela tentava acreditar que a educação rigorosa que deu aos filhos faria com que eles adquirissem responsabilidades cedo, mas tudo o que a garota fez foi resmungar ao sair do carro e bater a porta com força.
Dessa vez Bea pode perceber que a fila não estava enorme como da última vez, talvez pelo fato de o garoto com olhos de cor indecifrável não estar ali naquele dia.
Ela foi tranquila até o balcão e fez tudo como manda o protocolo, até pediu nota fiscal na hora de pagar a compra. O problema foi na hora de sair da farmácia. Talvez se a moça do caixa não tivesse deixado a moeda cair no chão antes de conseguir entregar o troco certo, ou se não tivesse resmungando para sua mãe antes de sair do carro, ou se não tivesse parado para se pesar na balança da farmácia, talvez ela teria tempo de voltar pro carro antes de seu cadarço desamarrar bem na porta da farmácia e ela não teria parado para amarrá-lo, consequentemente não teria esbarrado no garoto que queria entrar no mesmo estabelecimento de onde ela estava saindo.
A calça preta combinava com a camiseta preta com uma estampa que ela não conseguiu decifrar e com o cabelo, também preto, que ele passou a mão para tentar arrumar antes de bater seu pé no pé de Beatriz e tropeçar , quase caindo na calçada de lajotas
-Meu pai do céu, tá tudo bem? - A voz do garoto se fez audível ao perceber que a garota que antes estava apenas ajoelhada, estava caída no chão como tivesse sido chutada de bem longe.
Bea não tinha percebido o ocorrido até se ver deitada no chão, a sacola de remédio esparramada na calçada e sua mãe batendo a porta do carro e correndo em sua direção. A voz do garoto estava perto de mais, mas ela não conseguia olhar nem em seus olhos tamanha a vergonha que fazia suas bochechas esquentarem.
Beatriz apenas pegou a primeira mão que apareceu em sua frente, se dando conta apenas quando estava de pé que aquela mão era a do garoto. Os sintomas começaram a voltar quando percebeu o mínimo espaço que havia entre eles.
O enjoo, a tontura, a falta de ar, o coração subitamente acelerado. Não sabia se estava tendo uma parada cardíaca, insuficiência cardíaca ou um ataque do coração. Tudo parecia a mesma coisa enquanto seu coração parecia querer sair pela boca.
-Eu acho que ela vai desmaiar... - o garoto pôde ser ouvido ao longe, enquanto a única coisa que Bea conseguia focar era no formato do nariz dele, que parecia se encaixar perfeitamente em seu rosto.
- Ah, mas não vai mesmo. - Dona Jô disse já perdendo a paciência, conhecia bem a filha pra saber que não era daquele jeito que a garota ficava ao desmaiar.
Dona Jô tomou a mão da filha pra si e a puxou para o carro, sem ao menos agradecer ao garoto que foi deixado para trás, estranhando toda a situação antes de voltar ao que estava fazendo.
Mãe e filha foram para casa ao som da Voz do Brasil, que tocava no rádio anunciando algumas notícias, e tudo o que Beatriz conseguia pensar era se os remédios e a rotina de exercício fariam efeito logo, para que parasse de ter aquelas sensações que a faziam se sentir tão mal em momentos inconvenientes.
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Hipocondria
Humor*Conto* Beatriz significa: "a que trás felicidade", mas sua mãe não consegue entender como a garota traria felicidade para alguém trancada em um quarto por quatro dias só saindo para comer. Puxando a filha para, literalmente fora da casinha, Dona Jô...