"O homem não é nada além do que faz de si mesmo" - Jean-Paul Sartre.
"O objetivo era muito claro, e este era tomar e controlar as regiões sul e leste de Ypres. Era trinta de outubro, e aquela empreitada já se estendia por mais ou menos três meses à fio. Com severas baixas de ambos os lados, nada parecia satisfazer por completo a esperança de vivenciar uma eminente vitória. Em uma semana, os Aliados pareciam ter a vantagem, porém, na semana seguinte os Alemães de Guilherme II, resguardavam posições mais benéficas que seus adversários, e tomavam a vantagem sobre seus inimigos. No entanto, na semana que se passava, os Aliados já retomavam as posições anteriormente tomadas de assalto pelos Alemães, e assim se seguia esta infinita campanha pelo pequeno território belga".
"Alexander Harris, de vinte e dois anos, se acovardava pelos apertados quartos de munição das trincheiras fedorentas do campão de guerra. Em uma das mãos segurava uma pequena corrente de ouro, presa a um crucifixo, trêmulo devido aos sustos dos frequentes tiros de rifle e metralhadora que disparavam feito foguetes de fim de ano. Na outra mão, a pistola Webley modelo 1913, igualmente trêmula, mas com um certo objetivo macabro antecipadamente planejado por ele enquanto seguia para o campo de batalha. Se encontrava agachado em meio a lama, e de vez ou outra tapava seus ouvidos dos barulhos infernais da guerra que se estendia lá fora. A pistola, na mão direita, parecia tentá-lo à um destino não tão glorioso, tampouco um tão bonito".
- Harris, seu rato imprestável. – um inflamado urro adentrou a sala de munições. – Como ousa se acovardar aí no canto, enquanto seus irmãos morrem lá fora perante as balas germânicas!?
- Desculpe, senhor Kent, mas eu não volto para lá. – disse Harris, ainda trêmulo.
- Em primeiro lugar, é Sargento Kent para você, seu ignóbil. – ajeitou seu cinto. – Em segundo lugar, você não tem escolha, soldado. Ou você volta para o campo de batalha, ou será executado por deserção.
- Ah é? – Harris olhou seu superior como se fosse um cachorro na sarjeta, esperando por misericórdia. – Não se eu me matar primeiro. – puxou o cão da pistola. – Adeus, Sargento Kent. – e apertou o gatilho. No entanto, nada acontecera. Confuso, Harris puxou mais uma vez, e depois mais outra, soando pelo quarto o clique de uma arma emperrada de lama.
"Enquanto a tentativa patética de Harris se estendia muito além do necessário, Sargento Kent gargalhou de forma nefasta".
- Engraçado em como o destino tende a sorrir para pessoas que não sabem o que querem da vida, não é mesmo. – foi até Harris, e o levantou da lama, puxando-o pela gola da farda amarrotada. – Vamos lá, soldado. Levante da imundice e volte para o campo de batalha e morra defendendo a honra de seu país, como um bom homem deve morrer, não metendo uma bala na nuca, feito um "maricas bunda mole".
"Depois disso, enquanto a sangrenta batalha ainda se mantinha ativa, Harris não vira muitas outras oportunidades de se ver livre daquilo. Depois de sua tentativa falha de tirar a própria vida, olhou para seu crucifixo, o que sempre carregava consigo, presente de sua mãe, e pensou:
'Não posso me matar, onde eu estava com a cabeça. Eu sou cristão'.
"E assim, inflamado por uma coragem repentina, passageira, mas ainda se configurava como coragem, adentrou a Terra de Ninguém, para tentar talvez resgatar um por cento de sua honra. Em meio a explosões, e tiros aqui, acolá, se confundiu nos caminhos a tomar, e acabou por entrar numa floresta nos flancos do campo de batalha. Quando os tiros já não pareciam zunir em seus cabelos, e as granadas já não pareciam explodir em seus pés, abriu os olhos, que se encontravam fechados há muito. Andou por inacreditavelmente um quilômetro floresta adentro, sem ao menos notar, tamanho medo de encarar de frente os horrores da guerra. A floresta era densa, e as árvores eram tenebrosas, parecidas talvez com árvores saídas de contos de fadas infantis. O som da guerra ainda poderia ser ouvido, logicamente, mas neste momento Harris apenas ouvia o som calmo das folhas e galhos dançando com o vento. Uma esperança passageira tomou conta dele, e assim caiu de joelhos, chorando lembranças amorosas. Porém, enquanto tomava para si momentos alegres de anos atrás, percebeu uma movimentação estranha nas folhagens logo à sua frente. Perguntou quem era, mas não obteve resposta. Indagou mais uma vez, e mais uma, e nada. A movimentação não cessava, e Harris já começara a pensar se tudo aquilo se tratava de uma emboscada alemã. Levantou do chão terroso, e foi lentamente se afastando dali, nunca virando suas costas para lá. Seus passos seguiam lentos, mas o barulho dos galhos sendo esmagados por tamanho medo, pareciam gritos de ajuda em meio a densa floresta. De repente, algo saiu do meio das árvores, e foi em direção de Harris, que logo se vira e sai correndo, mal podendo notar quem ou o que aquilo era. Infelizmente, suas pernas humanas não eram capazes de superar a corrida selvagem desta criatura infernal que o atacou. O resto, fora um branco em sua mente, acordando tempo depois em um navio, voltando à sua terra mãe, Inglaterra".
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O Fagote Rosnante
Tajemnica / ThrillerFerido gravemente por um animal selvagem em uma das muitas batalhas da Grande Guerra, o músico Alexander Harris volta para casa crente de que se tornou a criatura conhecida por muitos, como lobisomem. Anos mais tarde, três assassinatos de pess...