Saber de algo não faz esse algo ser simples e leve de ser levado em frente. Todo aquele conhecimento não faz aquele algo ser divertido ou suave. Ao contrário aquele algo se torna extremamente pesado e cansativo de ser levado em frente tal como uma terrível consequência de algum ato do passado em que você, iludido e ansioso, seguiu um rumo errado em sua estrada.
Já ouviu falar do ditado: " A ignorância é uma bênção " ? Pois é, isso é o que devíamos ter quando falamos desse algo. Mas nem sempre aquilo que preferimos não saber, é uma coisa que pode ser ignorada. E é por esse motivo que você se sente cansado, com um grande peso em suas costas.
Porque o conhecimento pesa.
Então, seguindo essa concepção eu me encaro no espelho. Meus olhos acinzentados estão envoltos por olheiras escuras provocadas pelo saber. Sentia minhas costas enrijecida pelo fatigante peso daquilo tudo. Me levantei e virei, não era hora para me deprimir, respirei fundo - tentando me preparar para a batalha do dia que se teria agora - sentindo todo o ar entrar em meus pulmões e em seguida fugir dos mesmos.
O caminho já era conhecido. Ele parecia mais escuro do que o normal - isto de nada estava ligado à luminosidade do cômodo -, parecia mais frio embora o calor do sol adentrasse pelas frestas das portas a ele ligadas.
" Quando que essas escadas se tornaram tão difíceis de serem subidas? " eu me questionava diariamente.
Finalmente cheguei até a porta do cômodo aonde queria estar. Segurar a maçaneta com toda a força não iria me impedir de enfrentar aquele leão então apenas a girei e adentrei lá.
Tal como uma serpente a realidade nos cercava, cada dia mais se impondo, cada dia mais presente em nossas vidas - seja desde os dias em que seus olhos possuíam uma coloração avermelhada pelo choro ou desde o momento em que ele nos informou -. Eu não sabia ao certo por quanto tempo fiquei a encarar o corpo de Anne ali: fragilizada e destruída.
A culpa por aquilo era minha.
Me recriminei ainda mais quando notei que ela já não me respondia.
' Quando você fecha seus olhos com força ou não diz o óbvio com um medo de aquilo se torne realidade não impede de - se realmente estar em seu destino - aquilo se vir a tornar real. ' Mas Deus! Ter consciência disso não faz ser mais fácil! Eu ainda sinto a dor passando suas agulhas e facas por toda imensidão de meu ser, perfurando minha alma milhões e milhões de vezes, eu sinto essa dor! Oh Deus, oh Deusa, permita que tudo volte ao momento em que tudo era alegre. Volte para os dias em que Anne corria pela casa, não me importa mais nada, que pare o tempo, que o mundo se destrua, que tudo acabe mas não tire de mim a pequena Anne!
Lágrimas invadiam meus olhos com força e eu lutava para não as liberar quando toquei a face de minha menina percebendo que já estava se tornando fria. Eu estava no meio de um caminho cujo o destino era imutável, não possuía mais forças, não possuía mais nada.
" Meu sofrimento não terá mais fim? "
Me preparei psicologicamente durante longos cinco meses para que permitisse que Anne partisse antes de mim ou seu e agora, parada ajoelhada a sua cama, percebo que de nada aquele treinamento me ajudou. Eu apenas tentei me acostumar a uma dor que não conhecia e evitar o inevitável.
Ela sempre fora uma bela menininha inteligente, atenciosa, brincalhona e divertida. Em nossas idas até a margem do mar, costumava se afastar - em uma distância segura - e catar pequenas conchas que mais tarde nos estenderia com um sorriso e sonoro: ' Papa, Mama '. Ela entendia as notícias do mundo rapidamente demais, se emocionava com as notícias tristes que rondavam por toda a vila.
Como toda mãe, eu me preocupava com ela. Possuía o medo de que minha menina perdesse a pureza ao olhar o mundo como ele realmente era, tão podre e cruel, embora tentasse a fazer não achar que este mesmo mundo era perfeito tal como Rodalf fazia. Mas de nada serviu o medo. De nada serviu a proteção. De nada serviu tudo o que fizemos pois seu destino já estava traçado antes mesmo de ela nascer.
Aos seus cinco anos, ela já nos preocupava. Lembro - me que no início eram apenas alguns tropeços porém com o tempo logo se tornaram tombos e então veio a dificuldade para andar ou correr junto das fortes dores de cabeça que sempre a faziam reclamar conosco.
" Mama, papa... minha cabeça... aí... " ela nos dizia enquanto apertava com suas mãozinhas as têmporas. Lágrimas saíam de seus olhos e não duvidamos que ela mal percebia isso.
Contudo nosso mundo apenas caminhou para o precipício quando veio o desmaio por conta de tamanha dor. Meu coração já apertado formava diversas teorias sobre o que aquilo realmente era e, mesmo que eu quisesse me convencer do contrário, quando o médico me nos pediu tempo para analisar os exames e então nos informou sobre o tumor, eu já possuía a certeza.
Aquilo era uma consequência. Vestida do modo mais cruel que eu poderia imaginar, sangrando a cada novo sintoma, abrindo mais a cada tentativa de tratamento fracassada e se desmoronando periodicamente.
Mas como se uma luz se acendesse novamente, eu vi seus olhos se abrirem novamente devagar e ela piscar. Anne não havia morrido! Senti meu coração retornar aos seus batimentos fortes e intensos enquanto um sorriso surgia por entre minhas lágrimas:
- Oh Anne! - eu a abracei fortemente no entanto ela parecia confusa. Observei seus olhos ficarem sem foco, encarando diversas partes do teto até que ela finalmente me encontrou - Você... querida...
Senti que minhas lágrimas iriam retornar e então vi sua face triste. Oh não, eu não a deixaria triste. Precisei de todo meu auto controle para não desabar, Anne era bastante preocupada conosco o tempo todo e eu jamais jogaria fora todo seu esforço para se manter ali: firme e alegre. Afinal seu único pedido, aquele feito há meses atrás, ainda brilhava em minha mente.
" Não chorem. Não importa o que esteja acontecendo. Papai, Mamãe, eu os imploro: não chorem. Invés disso me conte a história da princesa. " Rodalf não entendia o porquê daquela escolha visto que o conto era triste e sem fim, mas em meu interior eu já sabia o motivo.
Dia após dia eu lhe contava o conto enquanto seu corpo ficava mais flácido e magro após cada vez que eu repetia a história. Mas eu continuaria. Eu lhe contaria a história novamente na tarde seguinte, depois, depois e depois. Pois aquele era um de seus últimos desejos.
- Há muito tempo atrás, quando reis e rainhas ainda eram idolatrados, existiu uma princesa sem reino. Ela era uma jovem forte e bonita, no entanto era extremamente solitária. Seus pais haviam sumido de um jeito que ninguém conseguia explicar e jamais ousavam se aproximar da pequena menina que teve que crescer sozinha. - ela fechou seus olhos, parecendo cansada, deixando somente um leve sorriso nos lábios - Mas a princesa se recusava a ser para sempre solitária. Ela queria um amor e amizades, caminhar lado a lado da felicidade assim como todos os que passavam por sua ventana.
Olá galerinha, tudo bom?
Eu só queria dizer que consequências está chegando ao final. Faltam apenas 4 capítulos para que toda a trama termine, o que me pensar: será que vocês tem alguma teoria sobre a história?
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Consequências
ContoO que você faria para conseguir o que mais deseja? E então, como agiria ao notar que seu desejo se tornou obscuro? Anne é uma garotinha muito madura para sua idade que busca o conto de uma princesa para se distrair de sua dor. No entanto o que menos...