- Ande logo, Baltazar. Não temos muito tempo!
- Estou indo o mais depressa que eu posso, senhor. Os cavalos já não aguentam mais esse ritmo.
- Pois aumente o trote! Vamos, estou mandando! Mais rápido! Mais rápido!
A chuva fina que caía fustigava os olhos de Baltazar, como lâminas afiadas, causando-lhe uma dor imensa. A carruagem já estava percorrendo as ruas de Lisboa em um ritmo alucinante, mas mesmo assim as ordens que vinham de dentro do coche era para acelerar e acelerar. “Como acelerar mais, nesse calçamento tão terrível” pensou, observando o chão irregular de paralelepípedo que cobria toda a extensão da rua, a perder de vista. A noite era negra como piche e um vento forte soprava do mar para a costa, fazendo as árvores vergarem num ângulo de noventa graus e as janelas de madeira do pequeno vilarejo por onde passavam baterem feito loucas.
Baltazar recebera instruções vagas sobre aquela viagem. Seu amo lhe ordenara que seguisse o mais rápido possível para o cais, mas não entendia o porquê. Naqueles dias incertos pelos quais passavam, era perigoso para um nobre da estirpe de seu senhor, deixar sua residência no meio de uma noite daquelas para fazer sabe-se lá Deus o quê no cais. Mas seu mestre não pedia, ele ordenava. E Baltazar, como bom empregado que era, obedecia. Sem fazer perguntas.
Chegaram no cais por volta das onze e meia. Baltazar não entendia o que todos aqueles barcos estavam fazendo ancorados ali, prestes a partir, naquele tempo onde nem mesmo os mais bravos marujos ousavam desafiar a ira de Poseidon. Pareciam que estavam abastecendo o último navio- parecia a fragata real, será que era?- com caixas de madeira muito bem pregadas e etiquetadas. Zarpariam em algumas horas, Baltazar não tinha dúvidas. Mas para onde?
Antes mesmo que parasse o coche seu mestre já havia descido e vasculhava o local com olhos de lince. A chuva fina cobria a tudo com uma cortina de névoa espessa, mas ele não parecia se importar. E Baltazar sabia bem o motivo.
Seu mestre descendia de uma linhagem de vampiros antiquíssima, oriundos da Transilvânia. Foram, por anos, guardiões do Castelo e, com a morte de seu mestre e protetor, tornaram-se senhores absolutos do lugar, herdando uma considerável fortuna, que foi repassada a seus descendentes.
Belchior era o último da linhagem. Uma linhagem que incluía personagens ilustres, como Pero Vaz de Caminha, Cristóvão Colombo e São Sebastião.
E Belchior orgulhava-se muito de seus ascendentes. Eram todos vampiros de nascença, descendentes diretos do lorde das trevas, assim como ele.
- Vamos logo, Baltazar!- dava ordens e fazia gestos com as mãos para que o outro o seguisse imediatamente- ajude-me a vasculhar essas caixas.
- Sim, senhor.- limitou -se a dizer.
As caixas eram de cor escura e feitas de madeira de lei, quase que impossíveis de serem violadas por um ser humano qualquer. Mas os dois que ali se encontravam não eram uns quaisquer. E muito menos seres humanos. Dilacerada as caixas como se fossem feitas de papel e, uma a uma, registaram sem obter êxito. Roupas de baixo feminina, sapatos, brincos, meias de seda; tudo agora jazia espalhado no chão de pedra do cais.
- Onde diabos estão os livros, Baltazar?- rosnava Belchior, visivelmente transtornado.
- Não sei de livro algum, mestre. Na verdade, o senhor manteve-me na ignorância do motivo de nossa empreitada até o presente momento.
- Não me culpe por sua ignorância, imbecil! Agora volte pro coche e me deixem sozinho, infeliz!
- Como queira.
" Por que será que ele me trata tão mal? O que eu fiz?" Subiu no coche com os pensamentos fixos nessas questões. Olhou de soslaio e viu que Belchior não desistira da busca. Seus cabelos loiros estavam encharcados e os olhos- que eram de um azul tão profundo quanto o mar- estavam injetados e percrustavam toda a extensão do local, procurando entender o que se passava.
Sua fonte não poderia estar errada. Dissera claramente que o livro estaria ali naquela hora, para ser transportado para o Brasil, longe das garras do poderoso Napoleão que, com seu exército invencível e tendo os bruxos como aliados, tencionava obter o livro para si. O que um humano faria com aquele livro legendário Belchior não sabia. A única certeza é que não seria algo agradável.
Aquela noite prometia uma grande tempestade. As ondas quebravam com toda a força, lançando espuma para todos os lados. Provavelmente estava frio, mas não tinham como saber. As sensações térmicas lhe eram absolutamente desconhecidas. Juntou a grossa cabeleira e a espremeu até sair todo o excesso da água.
Estava furioso. E alguém iria pagar. Deu uma última olhada nos navios e nas caixas que amontoavam-se no cais. "Onde ele está? Onde?"
Girou nos calcanhares e encaminhou-se para a carruagem.
- Vamos embora daqui, Baltazar.- abriu a porta do coche lentamente, já esperando a réplica de seu subordinado.
- E então, senhor. Conseguiu encontrar o tal livro?
- Não, não consegui.- estava visivelmente mais calmo- agora vamos embora desse lugar.
Assim que o coche partiu uma pequena luz amarelada pode ser vista no horizonte marítimo. A nau que carregava em seu interior a Biblioteca Real Portuguesa partira alguns minutos antes da chegada dos dois sobrenaturais e agora se dirigia rumo às Américas, levando consigo o livro mais poderoso de toda a humanidade.
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O Livro das Sombras - A Sociedade Secreta das Sombras
De TodoNo século IX, no reinado do lendário rei Arthur, o poderoso mago Merlin compila um grimório poderoso, que resgata de um passado ancestral os segredos por trás do surgimento das chamadas" criaturas das sombras". Com a morte do mago, o livro vai parar...