1998, Teus pertences esquecidos aqui são teu nome sussurrado por toda parte...

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...até nas flores.

Setembro, 1998

"O lugar com nome das jóias que mamãe tinha guardada na gaveta branca da penteadeira, o sol devorava nossa cidadezinha pequena, e em todas aquelas tardes sequer pareceu inverno.
Eu te amei no meu quarto todas as noites que no céu houvessem mais que estrelas e mundos a se descobrir, dito isso, te amei todas as vezes.
Ninguém nos viu.
Você me fotografou nos lençóis brancos, me beijou os pés, eu acordei como dormi nas noites nossas: vestida só do vento morno, era você, amor, entrelaçado na minha cintura.

Você pintando o espelho de madrugada, haviam algumas vezes, parece você só vinha pra pintar o meu espelho e me beijar, jogar a camiseta no canto, brincar com a ponta dos meus cabelos, o teu jeans Denim de um azul lavado, o cinto semi-desafivelado, suas costas bonitas pinceladas de amarelo e pêssegos.

O meu all stars preto no canto do quarto onde a parede azul se encontra com a amarela e fazia-se arte ali. Margaridas e Crisântemos cresciam em acrílico no meu espelho, voláteis.
Seu disco preferido rodopiava sem parar no toca-discos verde-menta da minha cômoda branca.

Sua câmera favorita, uma Kodak Instamatic casual, em cima da mesa no canto do quarto, perto da minha escrivaninha velha, talvez mais velha que meus pais.
Minhas fotos no bolso da sua calça. Nossos primeiros e últimos dezesseis anos, meu vestido branco romântico, a camiseta laranja, café doce-muito doce- e Bee Gees. Você só escutava Bee Gees.

E era setembro."

Em 98, quase todas as terças-feiras...

..suas mãos delicadas abriam os trincos laboriosos da janela branca do meu quarto.

Como poderia me esquecer? Eu reconheceria sua voz num canto- sim estou falando de musicalidades- serenizado, até mesmo na inércia do que era somente teu pensamento secreto.

Era por causa dos teus olhos, você sabe disso.

A minha camisola era de seda lilás, um lilás claro e amável, sempre caia, e caia bem melhor nas nossas noites suaves.

O lilás as vezes flutuava pelos ares junto à camiseta laranja.

Você sorria o tempo todo, eu te beijava o sorriso ininterruptamente, do pescoço de cetim até o canto esquerdo dos seus lábios feito sempre duas pétalas de tulipas furtadas pra mim.

Tulipas...você gostava das flores...foi nelas que te encontrei, enquanto parecia primavera no meu quarto azul e amarelo, mesmo que fosse apenas um mês antes das flores:

Setembro.

Ah Jim... você trazia suas tintas, eram três bisnagas de tintas novinhas em folha, impecáveis, trazia um estojinho bege-claro de pincéis e vinha como que voando pela janela, pintava meu espelho-e extensos centímetros da minha pele- de delicadezas tão serenas quanto o bosque entre dois mundos, aquele que dá pra ouvir as árvores crescendo de tanta receptividade que os ouvidos desenvolviam no sossego, o bosque que eu quase visitei quando era menina e acreditava em Nárnia, na Terra do Nunca, em outros mundos, em novas vidas.

Ainda acredito, você pintou elas no meu espelho, tem até uma borboleta monarca, encantada, laranja feito aquela sua blusa que você me deu.

Às vezes ela voa pelo meu quarto, brinca nos meus cachos e pousa na tua blusa laranja estendida em cima do baú branco no pé da cama, onde os lençóis findam e se bagunçam naturalmente.

E fica lá: borboleta e a tua -minha- camiseta, namorando.

Eu acho que poderia sentir tua falta pra sempre, Jim, e mais ainda quando a borboleta cantarola a música que você vivia cantarolando no meu ouvido pelos cantos da cidade e eu juro que tudo no meu quarto já sabe teu nome e te grita estridente, a 140 decibéis, ensurdecedoramente e eu quero ir com você para além da janela de all stars, sumir enfiada no meu vestido branco levando alguns livros, poucas roupas, meu caderno amarelo, o de poemas, seu disco preferido.

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⏰ Última atualização: Sep 30, 2020 ⏰

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𝟏𝟗𝟗𝟖, 𝐏𝐫𝐢𝐦𝐚𝐯𝐞𝐫𝐚𝐬 𝐝𝐞 𝐒𝐞𝐭𝐞𝐦𝐛𝐫𝐨+ 𝐩𝐣𝐦 ❴𝐎𝐍𝐄𝐒𝐇𝐎𝐓❵Onde histórias criam vida. Descubra agora