(O)culto

Capítulo 1 - Sunfalls

"Para mim, o prazer é encontrado, sobretudo, no inesperado, no nunca antes explorado, o oculto e o imutável, ofuscado por uma realidade distorcida" — H. P. Lovecraft

         Jungkook nunca se considerou um artista, apesar de saber que grafite é considerada uma forma de arte, mas a seu ver ele não era tão bom ao ponto de se intitular assim. Todos á sua volta que sabem do seu hobby chamam de algo muito menos carinhoso: pichação. Bem, e para eles o próprio é um vândalo.

Nova York costuma ser fria nessa época do ano, mas Jungkook traja apenas uma calça jeans e um de seus moletons na cor cinza, como se o capuz em volta da cabeça lhe aquecesse o suficiente. Ele remexe sua mão esquerda dentro do bolso tentando espantar a sensação de congelamento e então respira fazendo o ar embaçar.

Ele retira um de seus sprays coloridos de dentro da mochila e aplica o branco em uma camada firme sobre a parede de uma loja de roupa íntima aleatória, o que não é costumeiro, pois geralmente faz o grafite em algum muro sem importância alguma. Mas não hoje, não depois que sua mãe lhe disse que estavam de mudança para uma cidade de interior, a qual ele considerou o inferno no mesmo momento. Hoje ele faria jus ao título que ganhou e cometeria de fato vandalismo.

Sem pensar muito sua mão direita trabalha arduamente nos detalhes finais da arte, os traços vão ganhando vida a cada camada de tinta e o cheiro que exala só o motiva até que seus olhos se deparam com a conclusão da obra. O jovem para e observa o rosto do feroz lobo de pelagem cinza, e por um momento é como se estivesse olhando dentro dos próprios olhos.

A sirene do carro da polícia soa denunciando que alguma viatura está chegando mais perto a cada instante então Jungkook organiza rapidamente seu material na mochila e a joga sobre o ombro. O carro para e um policial desce dele, mas não é como se fosse algo incomum, pois não é de praxe que a polícia aceite algum jovem cometendo delitos como grafitar em um patrimônio privado.

Ciente de que os olhos do homem alto e robusto captaram sua localização, Jungkook se vira e sorri minimamente antes de começar a correr como se de fato estivesse com vontade de fugir, o que não é o caso já que diminui seu ritmo para que o homem chegue ao menos perto de si. Os pés calçados com um All Star surrado ecoam no chão do beco e então os passos do homem fardado se juntam aos seus como uma sinfonia urbana.

Seria anormal que Jungkook não fosse veloz, pois ele fez judô com êxito suficiente para que conseguisse uma faixa preta. Mas o policial não sabe disso então estica sua mão gordurosa e puxa o capuz do mais novo o fazendo parar, e satisfeito o joga contra o muro do beco fazendo seu corpo colidir contra o muro com um baque.

— Ei, pega leve brother, eu não sou um saco de batatas — Jungkook finge indignação ao provocar o policial.

— Quieto marginal, tudo o que disser pode ser usado contra você no tribunal.

— Olha me prender seria contra a lei, mas eu posso resolver o seu problema amigo — falou conseguindo dar uma tapinha leve no ombro do homem que com uma expressão confusa afrouxou o aperto. — Me deixe em cana por essa noite, seria uma punição adequada, não acha?

— Acho que isso quem decide sou eu — respondeu de forma grosseira, mas o garoto quase podia ver as engrenagens da indecisão trabalhando na sua cabeça. — Tem pais?

Aquele realmente era um assunto que não agradava Jungkook nem um pouco, pois ele foi criado por sua mãe e ela nunca lhe doou muito tempo para sua educação, pois ela sempre o doa a seu trabalho, e todas as vezes que tentou conversar sobre isso com ela foi ignorado ou simplesmente ouviu que ela precisava fazer isso para que ele tivesse sua vida confortável. Ele poderia compreender mais sobre isso agora que se acostumou, mas quando criança suas babás serviam para aumentar o sentimento de rejeição, o que obviamente nunca foi agradável para um garotinho que nunca conheceu seu pai.