"A paz nesta cidade não se estabelecerá até o fim da minha próxima encarnação, que sabe Deus não ocorrerá nunca. Como prova, deixarei esse pingente enterrado aqui, que só será achado pelo meu reencarne". Teria sido essa as últimas palavras de Otávio, o fundador de Palmeirão, antes de enterrar um pingente na gruta de águas cristalinas e morrer, aos pés da Santa Cecília, padroeira da cidade, em 2 de fevereiro de 1696.
Desculpe-me, caro leitor, por não me apresentar. Meu nome é Roberto Campos. Sou um dos poucos intelectuais desta cidade, que, hoje, é banhada pela calmaria e sutileza de seus amados filhos.
Hoje é 4 de junho de 2020. Para muitos, uma data como qualquer outra. Para esta cidade não, pois há 85 anos a Era de Trevas, como ficou conhecido aquele período, findou-se graças a Cecília Gomes Valadares, a mais ilustre integrante da Família Valadares.
Nesta data, tudo na cidade se fecha. A igreja, que se aglomerava de fiéis e devotos no seu interior, fechava as portas e se enchia de velas acesas, enquanto esses mesmos fiéis e devotos faziam vigília fora dela.
Cecília Valadares é uma santa já marcada no imaginário popular. Às 6 horas da noite, os sinos da igreja badalam. E a multidão, carregando ramos, flores e velas acesas partiam, em procissão, ao museu Gomes Valadares, hoje tombado pelo Patrimônio Histórico.
Encanta-me até hoje vê toda essa devoção em torno daquela jovem moça, que hoje só resta algumas vestimentas e aquele retrato, que fora feito horas antes de sua morte. Não deve ser fácil para uma família superar a morte de uma moça de apenas 28 anos.
Há quem diga que o espírito dela ronda até hoje a gruta, outros dizem que ela ronda a sua antiga casa, outros dizem que ela ronda a igreja. Nunca a vira em nenhum desses três lugares, mas sinto uma energia diferente quando estou neles. De fato, não sei o que é.
"Jacinto! Jacinto!" São as palavras que dizem sair da boca do pobre espírito
A minha vó, que é a mais devota dos meus parentes, sempre acreditou que a Cecília Gomes Valadares fizesse milagres. Curou-se da febre tifoide, da lepra e de um câncer de mama graças às preces que fazia à santa Cecília Gomes Valadares. Ela é também é a única pessoa viva que conheceu a moça. Recorda muito bem dela, mesmo que na época que ela morrera tivesse apenas dez anos.
Confesso que, como historiador, me baseio em provas concretas, mas reconheço que existe nessa personagem quase mítica algo que não consigo explicar. É algo que me fascina desde a primeira vez que entrei naquele museu, com a minha vó Antonieta. Aqueles olhos verdes, aqueles cabelos castanhos ondulados, aquela pele pálida, aqueles lábios vermelhos me fascina...
A história me fascina... Mais adiante, caro leitor, mostrarei um pouco do que sei sobre esta cidade.
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Dias Felizes
RomanceNo interior do nordeste, no início do século XX, a pacata cidade de Palmeirão do Brejo é palco de conflitos entre duas importantes famílias, que buscam manter o poder, riqueza e hegemonia. Nesse cenário, nasce um amor improvável e que vai mexer com...