CENA II

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Eu acordei radiante no dia que se sucedeu, assim como o sol que fulgia no lado de fora. Naquela época, a vida ainda parecia ser bela. Ela ainda era um cubo de açúcar sobre minha língua amarga. Tudo isso se dava, porém, pelo fato de que, nesse dia específico, eu reveria Dolorívoro. Ele era combustão nova e em folha para me manter em funcionamento. Eu era um brinquedinho e ele, baterias novas. Quem me via naquele dia nem pensaria que eu era só inação no dia anterior.

Lembrei-me de que havia desligado o meu celular já ia fazer um dia. Imaginei que, assim que o ligasse, ele se revelaria infestado de mensagens de uma Bia demasiada preocupada. O que eu ansiava, entretanto, era, ao ligá-lo, encontrar alguma mensagem de Dolorívoro. Felizmente, não fui desapontado. Havia algumas. Nós sairíamos para jantar naquela noite e ele passaria aqui em casa para me buscar. Um leve nervosismo impetuoso me atravessou como um fantasma. Era o mal da futuração querendo me assombrar novamente, sedento em me asfixiar com suas mãos estreitas, ansiando em me fazer lembrar do fato de que eu posso acabar estragando tudo. Controlei os nervos e o respondi confirmando tudo. Após isso, verifiquei se havia alguma mensagem de Biatrix. Havia inúmeras, e todas elas transbordavam preocupação. Respondi todas suas indagações, na expectativa de tranquilizá-la. Acho que acabei tendo êxito, pois ela me enviou apenas um "Tudo bem", quando lhe escrevera que posteriormente conversaríamos melhor.

Liguei o computador e procurei pela pesquisa de doutorado de Dolorívoro. Já fazia quase dezoito anos desde sua obtenção. A sua tese tinha como tema a questão da morte e vida em textos clássicos. Abri o arquivo e comecei a lê-lo. Não fiz uma leitura completa. Mantive-me saltando algumas partes, lendo, na íntegra, aquilo que me parecia interessar. Quando alcancei o encerramento, finalizando as considerações finais, flagrei-me refletindo o quão interessante era aquele texto. Eu me interessava por literatura clássica. Eu estava cogitando trocar ideias com Dolorívoro sobre esse assunto. Isso me levou a reflexionar sobre o que este encontro com me guardava. O sentimento de medo e preocupação queria me contaminar. Dolorívoro me levaria para o jantar em seu carro... Ele poderia me sequestrar... acabar me fazendo algum mal... Mas ele era professor de renome, bem conhecido. Acho que não faria algo assim... Expulsei todos esses pensamentos de minha mente. Eu esperava que tudo ocorresse bem. Eu me fartava em demasio com aquele sentimento jubiloso. Havia algum tempo que não me sentia daquela maneira. Era um luxo que hoje em dia não tenho mais a oportunidade de desfrutar. Nada mais é capaz de me revigorar. Nem mesmo Dolorívoro, que por algum tempo tem feito. Como fez neste nosso primeiro encontro, a qual logo deixarei vocês a par de tudo que se desenrolou.

Para distrair minha abafadiça ansiedade, sentei-me à minha escrivania e verti no papel algumas ideias que estavam vagando em minha cabeça. Depois, após estrutura-las em versos, transcrevi tudo para o computador, fazendo algumas alterações. Intitulei-o de "Delíaco". Quando, por fim, senti que o poema estava pronto, eu entoei-o em voz alta:


Ó meu Delíaco,

Desagua em meu cômodo ilíaco

Sou teu garoto inexplorado

Tão jovem quanto teu doutorado


Sou teu brinquedo; teu lolito

De nada eu me privo;

Pelo contrário: eu te incito

Com um desejo lascivo


Ó meu Delíaco,

Orvalha em meu cômodo ilíaco

Contigo minhas pétalas se vão

Num espavento de trovão


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⏰ Última atualização: Dec 08, 2020 ⏰

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